Dia do Oficial de Justiça

“O oficial é a justiça saindo do seu habitat encastelado e batendo à porta do cidadão”

Confira o emocionante relato de Mariana Pinheiro. Para ela, ser oficiala é tentar penhorar bens em um casebre paupérrimo, onde existe apenas uma cama para toda uma família

25/03/2019

Falar sobre o Oficial de Justiça é encher a alma de contentamento ao perceber que as lições primordiais do Direito se concretizam aos nossos olhos.

Mais que “longa manus” do juiz e operador do Direito, o Oficial de Justiça atua na concretização efetiva da justiça e, consequentemente, da paz social, promovendo a conciliação e possível fim dos litígios. É a justiça saindo do seu habitat encastelado e batendo à porta do cidadão.

O verdadeiro sentido do labor de um Oficial de Justiça vai para muito além da realização pragmática dos atos de comunicação processual; essa percepção vem ao enxergar, sob o prisma da sensibilidade e do afeto, o real alcance dos atos de cumprimento das ordens judiciais, que reverberam em nós como agentes que nos transformam e nos inspiram.

É muitas vezes dizer “não” quando internamente queria dizer “sim”, é ser abraço confortante, é ser palavra de otimismo que acalenta a angústia ou que esclarece a letra da lei e vislumbra o fim irremediável do processo.

É tentar penhorar bens em um casebre paupérrimo, onde existe apenas uma cama para toda uma família;

“Ser Oficial de Justiça é tentar localizar um endereço, quando a casa está situada numa viela com esgoto à céu aberto, com acesso por calçada improvisada”

É tentar localizar um endereço, quando a casa está situada numa viela com esgoto à céu aberto, com acesso por calçada improvisada;

É se comover ao intimar uma viúva como inventariante, após a morte de seu companheiro de toda uma vida e, após um ano, retornar à casa e ela ainda usar vestes pretas, em luto;

É atestar a vulnerabilidade social e afetiva de uma mãe, que não recebe qualquer ajuda financeira do genitor das crianças e ele se esconder indefinidamente para não pagar absolutamente nada;

É notar hematomas evidentes numa mulher, vítima de violência doméstica, quando há, na verdade, cicatrizes bem mais profundas inscritas em si;

É ver o cuidado próximo e amoroso de filhos para com seus genitores em idade avançada, acometidos por doença demencial, em que eles assumem agora o papel de “pais” e “mães” de seus pais, se fazendo urgente a condução de sua vida por meio da interdição;

É retornar a um endereço e ouvir uma mãe anunciar que o intimando falecera como mais uma vítima da violência urbana que nos assola.

É afastar a “pseudo” fragilidade e exposição femininas e encarar dignamente situações adversas, ambientes hostis, nos quais um demandado quer se impor pela “pseud” força própria masculina.

É ver uma família, ansiosa por notícias nos corredores do Fórum, acompanhando a internação de seu ente querido num leito de UTI, quando naquele calhamaço de papeis com o mandado judicial carregamos, na verdade, lágrimas, esperança e fé.

É cumprir um alvará de soltura e o acusado se ajoelhar, e se desculpar com o Oficial de Justiça pelo cometimento daquele ato ilícito, quando ele gostaria que aquele pedido fosse anunciado para toda a sociedade.

É conhecer realidades duras, famílias desamparadas e alheias à rede de proteção social onde deveriam estar. É quando nossa humanidade é posta à prova, já que nosso trabalho é tratar com gente, e gente de diferentes psiquês, moradias, cores, passados, futuros, oportunidades, sonhos…

É ser o equilíbrio de duas forças: voz ativa no cumprimento da ordem judicial e lucidez para analisar as nuances de cada situação que se apresenta, e moldá-las conforme valores éticos e solidários.

É enfrentar desafios sob sol a pino ou chuva forte, com nossos veículos particulares, caneta e papel na mão, em estradas vicinais desertas, bairros abastados ou aonde os serviços mais essenciais sequer chegam, mas, sobretudo, com a nobre missão de bem servir.

*Por Mariana Pinheiro, oficiala de Justiça da Ceman de Fortaleza

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