Sindojus solicita a extensão, pelo prazo de 24 meses, do regime de teletrabalho para Oficialas de Justiça lactantes
Além disso, que conste expressamente na resolução do Órgão Especial servidoras ocupantes do cargo de Oficial de Justiça entre as beneficiárias do regime especial de teletrabalho
O Ministério da Saúde recomenda a amamentação até os dois anos de idade ou mais. O órgão explica que amamentar é muito mais do que nutrir a criança, é um processo que envolve uma interação profunda entre mãe e filho, com repercussões no estado nutricional da criança, em sua habilidade de se defender de infecções, em sua fisiologia e no seu desenvolvimento cognitivo e emocional. Atento à situação das oficialas de Justiça lactantes, o Sindicato dos Oficiais de Justiça do Ceará (Sindojus-CE) solicitou à presidência do Tribunal de Justiça do Ceará (TJCE) a extensão do regime de teletrabalho para essas servidoras pelo prazo de 24 meses após o término da licença-maternidade, sem prejuízo funcional ou financeiro, sobretudo, no que diz respeito à Indenização de Transporte (IT).
Proteção especial
A reivindicação tem como base a Resolução nº 23/2021 do TJCE, uma iniciativa da então presidente do TJ, desembargadora Nailde Pinheiro, bastante elogiada à época pela defesa das mulheres e da proteção à maternidade, alterada pela Resolução nº 27/2023, na gestão do desembargador Abelardo Benevides, quando fora aprimorada.
A resolução institui, em seu artigo 1º, que “as magistradas e servidoras do Poder Judiciário do Estado do Ceará poderão, mediante requerimento, exercer suas atividades em regime de teletrabalho durante os 24 meses posteriores ao fim da licença-maternidade”, como medida de proteção especial, devendo ser interpretada à luz dos princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana, da proteção à maternidade e à infância, da igualdade de gênero, da razoabilidade, da eficiência e da valorização do servidor público.
A entidade defende que assegurar condições laborais dignas às servidoras mães, reconhecendo a importância social e biológica da maternidade e a necessidade de conciliá-la com a continuidade funcional, sem perda de direitos ou ônus indevido, é uma norma protetiva especial. O diretor Jurídico Carlos Eduardo Mello explica que esse dispositivo tem caráter vinculante para a administração, não se tratando, portanto, de mera formalidade do gestor, “mas sim de dever jurídico de proteção à servidora em condição de vulnerabilidade temporária e constitucionalmente protegida”.
Direito fundamental
A maternidade é um direito fundamental previsto na Constituição Federal de 1988. O art. 226, §7º, estabelece como dever do Estado a promoção do planejamento familiar com base na dignidade da pessoa humana, assim como na paternidade e maternidade responsáveis. Já o art. 6º consagra a proteção à maternidade como direito social, ao lado da saúde e do trabalho. O Estatuto dos Servidores do Estado do Ceará, regido pela Lei nº 9.826/74, conta com dispositivos que reforçam a necessidade de adaptação das condições de trabalho às fases da maternidade, como a gestação, o puerpério e a amamentação.
Em âmbito nacional, a Resolução nº 227/2016 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que institui o regime de teletrabalho no Poder Judiciário, já previa o atendimento a grupos prioritários, incluindo gestantes e lactantes. Essa proteção foi posteriormente aprofundada pela Resolução nº 343/2020 do CNJ, norma especial com caráter protetivo e inclusivo.
Desigualdades estruturais
No caso das oficialas de Justiça lactantes, não há qualquer incompatibilidade entre as suas atribuições e o regime de teletrabalho, desde que adaptadas às possibilidades tecnológicas e organizacionais atuais. É importante destacar que a proteção especial conferida às lactantes não é um privilégio, mas uma medida corretiva de desigualdades estruturais, conforme expressamente reconhecido por organismos internacionais e normas como a Convenção nº 183 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), ratificada pelo Brasil, a qual estabelece padrões mínimos para a proteção da maternidade no trabalho.
A entidade observa que a negativa, a restrição ou a limitação injustificada ao exercício desse direito pode ensejar grave violação aos princípios da legalidade, da igualdade, da proteção à maternidade e da moralidade administrativa, sujeitando o agente responsável à responsabilização funcional e judicial, inclusive por eventual prática discriminatória.
Compatibilidade
A entidade reforça que o trabalho remoto por parte de Oficiais de Justiça não compromete a efetividade da prestação jurisdicional, desde que observadas as garantias processuais das partes, sendo, portanto, inteiramente compatível com os princípios da legalidade, eficiência e economicidade.
Durante a pandemia da Covid-19 essa compatibilidade foi não só testada, mas amplamente consolidada por meio da comunicação digital. E mesmo após o fim do estado de calamidade pública, muitos métodos eletrônicos foram mantidos e institucionalizados, dado o seu êxito. Assim, criou-se uma jurisprudência administrativa e funcional no âmbito dos tribunais que demonstra, na prática, a possibilidade concreta de adaptação do cargo de Oficial de Justiça à modalidade de trabalho remoto, com respaldo direto da Resolução nº 354/2020 do CNJ.
No contexto das oficialas de Justiça lactantes, essa compatibilidade adquire ainda mais relevância, uma vez que o trabalho remoto viabiliza a manutenção de suas funções sem a necessidade de deslocamento físico contínuo, o que é incompatível com a exigência de amamentação frequente e cuidados com um bebê.
Concessão do regime especial de teletrabalho não podem implicar prejuízo financeiro, funcional ou institucional
É importante reiterar que a concessão do regime especial de teletrabalho para oficialas de Justiça lactantes, conforme estabelecido nas Resoluções nº 23/2021 e 27/2023 do TJCE, não pode implicar qualquer forma de prejuízo funcional, financeiro ou institucional, sob pena de esvaziar o propósito da política pública protetiva e ferir frontalmente princípios constitucionais e administrativos.
As servidoras em regime de teletrabalho especial por motivo de lactação não estão afastadas do exercício do cargo e nem da função judicante que lhes é atribuída por lei. “Ao contrário, mantêm-se plenamente vinculadas à unidade judiciária de lotação, submetidas ao controle de produtividade, à chefia imediata e à convocação para eventual presença, quando necessário e viável”, frisa o presidente Vagner Venâncio.
O representante da categoria acrescenta que penalizar economicamente uma servidora pelo exercício da maternidade equivale a desencorajar a adesão a políticas públicas de amamentação, criando um conflito entre vida funcional e vida familiar, o que a Constituição de 1988 expressamente rejeita.
Inclusão expressa das servidoras ocupantes do cargo de Oficiala de Justiça
Ainda que esteja subentendido que Oficialas de Justiça são servidoras do Poder Judiciário, conforme consta na resolução do Órgão Especial, o diretor Jurídico Carlos Eduardo Mello explica que o objetivo do Sindojus é que conste expressamente na resolução a função oficiala de Justiça, para que não dar margem a interpretações diversas, especialmente, por parte de juízes homens, como forma de combater discriminação e possíveis assédios.
A solicitação do Sindojus, que visa a garantir condições de trabalho mais justas e igualitárias para as oficialas de Justiça mães, é de que seja submetido ao Órgão Especial proposta de alteração do art. 1º da Resolução nº 23/2021, com a inclusão expressa de servidoras ocupantes do cargo de Oficial de Justiça entre as beneficiárias do regime especial de teletrabalho pelo prazo de 24 meses após o término da licença-maternidade.
Readaptação no retorno ao trabalho
Quem está vivenciando essa situação na prática é a oficiala de Justiça e diretora do Sindojus, Carla Barreto, lotada na comarca de Beberibe. Com a filha próximo de completar oito meses, ela retornou recentemente ao trabalho e fala dos desafios de voltar à ativa. “O retorno é caótico, a gente tem que se readaptar, porque a nossa vida se transforma drasticamente”, diz. Ela acrescenta que o teletrabalho para lactantes é fundamental, pela importância da amamentação em si, para a imunidade do bebê e pelo vínculo muito forte do bebê com o seio materno e com a mãe.
“A gente sabe que, para além da amamentação, existe uma presença que nos primeiros anos de vida é essencial para o bebê e para a mãe, porque é uma fase profundamente angustiante e estressante. Possivelmente, a mãe que retorna ao trabalho não tem a mesma produtividade de antes por ficar preocupada e culpada por estar fora de casa sem o bebê. Quanto mais tempo a mulher puder ficar com o bebê melhor para ela e para a criança, todo mundo sai ganhando. Esse é um direito que deveria ser estendido para todas as lactantes”, opina.
*Os requerimentos administrativos, pedidos de providências, ofícios e demais documentos protocolados pela entidade estão disponíveis aos sindicalizados(as) na área restrita do site.