Saga de Oficiala de Justiça para cumprir ordem de famílias envolvidas em troca de corpos expõe os riscos aos quais a categoria está exposta
Para dar cumprimento a um único mandado, a oficiala teve de ir, só no último sábado, a três locais diferentes, todos eles insalubres e com alto risco de contaminação da Covid-19
Nas últimas semanas, a imprensa vem noticiando o caso das três famílias envolvidas em troca de corpos na Unidade de Pronto Atendimento (UPA) do bairro Itaperi, na capital cearense. O assunto foi destaque também no portal do Tribunal de Justiça do Ceará (TJCE), o qual destacou que o processo para sepultar a vítima de Covid-19 tramitou em menos de 24 horas no judiciário. O que pouca gente tomou conhecimento foi da saga da Oficiala de Justiça Sheyla Rodrigues, da Central de Cumprimento de Mandados (Ceman) de Fortaleza, para garantir o desfecho do caso. Escalada para o Plantão Extraordinário do último sábado (30), a ordem judicial foi parar em suas mãos.
Diferente dos magistrados e demais servidores que durante esse período atípico de pandemia podem realizar o teletrabalho, oficiais e oficialas de Justiça, que estão na linha de frente do judiciário, continuam diariamente nas ruas para que os direitos da população sejam preservados. E, no caso da medida em questão, não foi diferente. Para dar cumprimento a esse único mandado, a oficiala teve de ir, só no sábado, a três locais diferentes, todos eles insalubres e com alto risco de contaminação da Covid-19.
Saga
Inicialmente, foi ao Cemitério do Bom Jardim, onde intimou os responsáveis para que procedesse à retificação nos arquivos. “Fui com duas máscaras fornecidas pelo Sindicato dos Oficiais de Justiça, com uma viseira de acrílico que uma colega me deu e uma touca dessas de banho que encontrei em casa. Era o que eu tinha de Equipamento de Proteção Individual (EPI) e fui ao cemitério”, disse.
A próxima parada foi na UPA do bairro Itaperi, onde estaria o corpo que teria de ser identificado juntamente com um familiar. Para sua surpresa, o corpo não estava mais lá. A informação é de que ele tinha sido levado à UPA do bairro Messejana, que possui câmera frigorífica. Lá chegando acompanhou a filha por toda a UPA até chegar à câmera frigorífica, que fica no final da unidade, em um contêiner. Foi quando vivenciou o momento mais atípico de sua profissão: filmar a filha fazer a identificação do corpo.
“Fiz todo esse trabalho de registro com vídeos e fotos para colocar nos autos do processo. Senti-me extremamente insegura, com medo. As pessoas comentam que vão limpar o fórum e medir a temperatura das pessoas quando as atividades forem retomadas, mas e o Oficial de Justiça? Que tipo de segurança nós temos? Tive de fazer toda essa saga para cumprir um único mandado, sem o fornecimento de qualquer tipo de EPI por parte do Estado ou do Tribunal de Justiça, e depois voltei para casa com a minha mãe idosa lá. Posso estar contaminada e nem sei”, comentou.
Profissão de risco
A peregrinação feita por Sheyla no último sábado põe em evidência os riscos a que a categoria dos Oficiais de Justiça está exposta no cotidiano de seu trabalho. “Isso deixa claro o quanto o trabalho do Oficial de Justiça é imprescindível e de risco. Não pertenço ao grupo de risco, então se estou na escala do plantão eu tenho que ir. O nosso trabalho não é dentro das paredes do fórum, é nas ruas, portanto, eu não podia me abster de cumprir essa medida judicial”, afirmou. Toda essa situação, no entanto, afetou o psicológico da oficiala que, com a pandemia, agora corre triplo risco: os inerentes à profissão, o de contrair a Covid-19 e o de levar o vírus para dentro de casa.