À rádio

Vagner Venâncio fala sobre pressão por resultados, luta por limitação de mandados e mais Oficiais de Justiça

Chama a atenção ainda para a importância de se ter melhores condições de trabalho, para que o servidor possa levar a vida com mais satisfação, plenitude e dignidade

12/05/2022
Foto: Reprodução

O presidente do Sindicato dos Oficiais de Justiça do Ceará (Sindojus-CE), Vagner Venâncio, participou, na última terça-feira (10), do Programa Café com Democracia, da Rádio Atitude Popular. O programa foi apresentado pela jornalista Marina Valente, com comentários do sociólogo Hebert Lima. A apresentadora iniciou a fala alertando que o assunto a ser abordado seria delicado, mas ressaltou que, em determinadas situações, mesmo os tabus considerados pela grande imprensa precisam ser quebrados para denunciar uma situação maior de opressão da classe trabalhadora e tentar evitar, inclusive, que novos casos venham a ocorrer.

“Vamos falar de um trabalhador, que é também o grito de uma categoria. Estamos falando de um servidor que retirou a própria vida dentro do local de trabalho, o que já é bastante significativo, porque mexe com a categoria e acende o alerta de como estão as relações nesse ambiente de trabalho”, observou. Marina mencionou a foto por ele enviada no grupo de WhatsApp dos Oficiais de Justiça da comarca instantes antes de ir à óbito em que mostra duas pilhas de mandados sob a mesa, manifestando que não aguentava mais o excesso de trabalho. Falou também das dificuldades, inclusive, dentro da Justiça do Trabalho, de o servidor conseguir provar situações de assédio moral e o sofrimento que passa no ambiente de trabalho.

Cobrança por resultados

Vagner Venâncio comentou que o suicídio é multifatorial, portanto, envolve um somatório de questões, mas que o local onde esse fato extremo ocorreu diz muito sobre o excesso de trabalho e cobranças os quais o oficial estava submetido. “A gente vive no judiciário em nível nacional uma pressão muito grande por resultados, mas nós não somos só números e estatísticas, precisamos ter condições de trabalho. O Conselho Nacional de Justiça cobra dos magistrados, os magistrados cobram dos servidores, só que nessa relação de magistrado com os servidores nós temos uma situação em que os juízes têm assessores, supervisores de Secretaria e vários servidores que cumprem os expedientes que geram os mandados judiciais”, disse.

“A gente vive no judiciário uma pressão muito grande por resultados, mas nós não somos só números e estatísticas, precisamos ter condições de trabalho”, disse o presidente do Sindojus.

A pandemia, complementou o presidente da entidade, fez com que o processo de virtualização se acelerasse, o que significa, para os Oficiais de Justiça, que estão na ponta da prestação jurisdicional, um salto enorme na quantidade de mandados expedidos. “O que ocorreu na comarca de Quixadá tem sim uma das causas o excesso de trabalho e a carência de pessoal. Nós temos uma comarca sede, que é Quixadá, e mais quatro ao seu redor para quatro Oficiais de Justiça. É humanamente impossível dar conta de uma demanda de cinco comarcas, então isso passa pela necessidade de ter mais servidores. Iremos discutir com a administração do tribunal condições de trabalho, porque os Oficiais de Justiça estão com uma sobrecarga muito grande e a categoria está adoecendo”, frisou.

Como minorar esse sofrimento?

O sociólogo Hebert Lima se solidarizou com a família, observou que é um tema difícil de ser tratado, mas que seria importante aproveitar esse momento para fazer uma reflexão sobre as condições que podem minorar esse sofrimento e afirmou uma delas seriam as condições de trabalho. “Exigir que o trabalhador e a trabalhadora possam ter um ambiente saudável, onde tenha condições realmente de viver a sua vida com mais satisfação, plenitude e dignidade, e essa é a luta e é o papel do sindicato. O Sindojus está aqui cumprindo o seu papel de chamar a atenção para as condições de trabalho. A entidade já vem denunciando isso há bastante tempo, eu mesmo já participei de pelo menos dois programas tratando dessa questão. É preciso ter um olhar para o trabalhador”, frisou.

O comentarista destacou que é obrigação do empregador, que nesse caso é o Estado, porque se trata de um dos poderes do Estado, garantir à trabalhadora e ao trabalhador condições de salubridade, de um ambiente sem assédio moral, de um ambiente onde as pessoas possam executar o seu trabalho de uma forma menos danosa para a sua saúde e para a sua vida, o que faz parte do direito do trabalhador e da trabalhadora.

Nos comentários, Souza Júnior, diretor-geral da rádio, questionou o dado apresentado pelo presidente do Sindojus, de que os Oficiais de Justiça não só de Quixadá, mas de várias comarcas no Estado, recebem de 500 a 600 mandados judiciais por mês, o que considera impraticável. “Sofre de um lado os servidores, sem condições de cumprir as suas funções, e do outro a sociedade, não atendida pela justiça”, ponderou.

Agregação de comarcas

A Resolução nº 05/2019 do Pleno do Tribunal de Justiça do Ceará (TJCE), que dispõe sobre a organização judiciária, está fazendo uma reestruturação nas comarcas do Estado. Com a agregação de comarcas, o presidente do sindicato, Vagner Venâncio, observou que o Oficial de Justiça passa a acumular as demandas da comarca sede e de suas agregadas. Em Quixadá, por exemplo, há quatro agregadas: Choró, Banabuiú, Ibaretama e Ibicuitinga. “No caso do Oficial de Justiça, ele passa a ter mais quatro zonas rurais e mais quatro zonas urbanas para dar vazão, ou seja, é humanamente impossível. Evidentemente que isso leva a uma sobrecarga, alia-se a essa sobrecarga o nível de cobrança exacerbada de determinados magistrados exigindo o cumprimento rápido de mandados para cumprir metas determinadas pelo CNJ”, expôs.

E apesar de a Resolução nº 354/2020 do CNJ permitir o cumprimento de mandados de forma remota, na prática, sobretudo, para o Oficial de Justiça, que tem de ir a todos os rincões do Estado, com dificuldade de acesso à internet, nem sempre isso é possível. Além disso, há os processos de caráter personalíssimo, em que a citação, intimação e notificação precisam ser feitos pessoalmente.

“O conjunto da obra leva ao excesso de trabalho. Isso está generalizado no Ceará. Para minimizar essa situação, esperamos que os 70 aprovados no concurso público do TJCE, sendo as 10 vagas mais os 60 de cadastro de reserva, sejam chamados para que essa força de trabalho seja distribuída, principalmente no interior. Uma forma de melhorar as condições de trabalho é tendo mais Oficiais de Justiça para desenvolverem a prestação jurisdicional”, reforçou.

Empatia

Vagner ressaltou que a situação de Quixadá, assim como de diversas outras comarcas no Estado, exige um olhar de mais empatia e solidariedade, no sentido de que o Tribunal de Justiça envide esforços para que a categoria tenha melhores condições de trabalho e a sociedade um retorno mais célere das demandas judiciais.

“Nós não estamos brigando por remuneração, nós queremos condições de trabalho, para que tenhamos direito ao lazer e de ficar com a família, porque os Oficiais de Justiça em nível estadual estão trabalhando aos sábados, domingos e feriados, e com a virtualização temos que utilizar todo tipo de sistema, então no momento que deveria estar em casa, no lazer, nós temos que certificar, entrar nos quatro sistemas que temos para receber e devolver mandados, o que ocupa praticamente o dia todo. Precisamos de condições dignas de trabalho, o que passa por mais mão de obra e, no nosso caso, pela limitação de mandados por mês”, reiterou.

Ele reforçou também a importância de ter pelo menos dois Oficiais de Justiça por unidade judiciária, uma vez que naquelas em que só tem um, o oficial ou oficiala todo dia está de plantão. E quando está em férias ou afastado de suas atividades laborais por algum motivo, as demandas ficam paradas. Além disso, há vários atos que necessitam de dois Oficiais de Justiça, conforme previsão legal.

Procure ajuda

Marina Valente encerrou o programa prestando solidariedade à família e dizendo que espera que toda essa conversa renda resultados, para o bem da sociedade e da categoria dos Oficiais de Justiça. “É doloroso saber que a dimensão do desmonte da justiça está afetando os servidores dessa forma. O trabalhador não é só trabalho, ele é vida também, tem toda a dimensão humana dele que precisa ser alcançada e acompanhada”, disse.

A apresentadora fez um apelo aos ouvintes dizendo que se o coração estiver apertado, se as coisas parecerem não ir bem, tem o Centro de Valorização da Vida (CVV), cujo telefone é o 188 e atende a todo o Brasil. “Busque ajuda, a gente não é mais fraco por buscar ajuda, pelo contrário, é preciso ser muito corajoso para buscar ajuda, então busque”, reiterou.

Rede de apoio

Em Fortaleza, esse apoio é prestado pelos Centros de Atenção Psicossocial (Caps) e por unidades como o Hospital de Saúde Mental Professor Frota Pinto (HSM) e o Hospital Universitário Walter Cantídio (HUWC). É feito atendimento também no Programa de Apoio à Vida (PRAVIDA) da Universidade Federal do Ceará (UFC): (85) 3366.8149 e (85) 98400.5672. E de forma remota pelo Centro de Valorização da Vida (CVV), por meio do número 188 ou pelo site www.cvv.org.br.

Nos casos de urgência e emergência, deve-se acionar a Polícia Militar do Ceará (PMCE) pelo 190, o Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu) no 192 ou o Corpo de Bombeiros Militar do Ceará (CBMCE) no 193.

Confira o programa na íntegra AQUI.

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