Capacitação

Saúde mental: ressignificar a dor, transformando-a em superação e renovação de esperanças

O Sindicato dos Oficiais de Justiça e a Comissão Corrente da Vida realizaram, na última quarta-feira (24), a palestra “Saúde mental no trabalho”, no Fórum de Caucaia

29/05/2023
Fotos: Luana Lima/Sindojus Ceará

Ressignificar a dor, transformando-a em superação, renovação e esperanças. Foi com esse propósito que o Sindicato dos Oficiais de Justiça do Ceará (Sindojus-CE) e a Comissão Corrente da Vida realizaram, na última quarta-feira (24), no Fórum de Caucaia, mais uma ação voltada para a promoção da saúde e do bem-estar de servidores, magistrados e colaboradores do Poder Judiciário. A palestraSaúde mental no trabalho” foi ministrada por dois importantes parceiros dessa corrente em defesa da vida: o tenente-coronel do Corpo de Bombeiros Militar do Ceará (CBMCE), Edir Paixão; e a promotora de Justiça Karine Leopércio, coordenadora do Programa Vidas Preservadas, do Ministério Público do Ceará (MPCE). Os trabalhos foram mediados pela Oficiala de Justiça Carla Barreto, integrante da Comissão Corrente da Vida. Os participantes receberão o certificado por meio do e-mail cadastrado no ato da inscrição.

Durante a abertura, o diretor do Fórum de Caucaia, juiz Davi Ribeiro Belém, agradeceu ao Sindojus pela iniciativa e parabenizou pela discussão sobre o tema da saúde mental. “A gente tem que ter cuidado, porque muitas vezes essa doença infeliz chega e a pessoa nem nota que está com ela, muito menos quem está perto. É um tema realmente relevante. Os juízes são cobrados para cumprir meta e muitas vezes sem ter a estrutura devida, os servidores são cobrados, os Oficiais de Justiça são cobrados. É um trabalho extremamente desgastante, porque o oficial tem que ir lá, ver a pessoa, para cumprir a ordem judicial e muitas vezes é mal recebido, então a gente tem que ter esse cuidado”, reiterou.

Durante a abertura, o diretor do Fórum de Caucaia, juiz Davi Ribeiro Belém, parabenizou o Sindojus pela discussão sobre o tema da saúde mental.

Deborah Salomão, juíza titular do Juizado da Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, também parabenizou o sindicato pela iniciativa e falou do quanto é emblemático registrar perdas, sobretudo, no ambiente de trabalho. “Me interessa o trabalho bem feito, mas também me interessa a vida bem vivida. Vamos nos dar as mãos quem está do lado de cá do balcão, porque está todo mundo na mesma situação. A gente precisa uns dos outros, então sempre que puder irei apoiar esse tipo de iniciativa”, afirmou.

“Me interessa o trabalho bem feito, mas também me interessa a vida bem vivida. Vamos nos dar as mãos quem está do lado de cá do balcão, porque está todo mundo na mesma situação”, destacou a juíza Deborah Salomão.

Soma de esforços

O presidente do Sindojus, Vagner Venâncio, mencionou o programa recentemente lançado pelo Tribunal de Justiça do Ceará (TJCE), o Vida em Equilíbrio, e afirmou que todos estão na mesma engrenagem, portanto, as ações do sindicato e do Tribunal de Justiça se conjugam. “É importante que todos estejamos bem para que a gente possa desenvolver o nosso labor de forma proveitosa, no sentido de uma prestação jurisdicional mais célere. Quando buscamos melhores condições de trabalho a gente busca não só para os Oficiais de Justiça, mas para todos que fazem o Poder Judiciário. Nada melhor do que somar forças”, reforçou. Ele ressaltou ainda a importância de criarmos o hábito de cuidar da saúde mental, assim como cuidados da física.

Apesar da delicadeza do assunto, a Oficiala de Justiça Carla Barreto, integrante da Comissão Corrente da Vida e uma das organizadoras do evento, reforçou a necessidade de ele ser compreendido para que cada um consiga lidar, de fato, com essa questão da saúde mental. “Por mais duro que possa parecer falar nesse tema, ele precisa ser levado com seriedade. Eu mesma me senti na oportunidade de fazer uma escuta ativa, olhar uma pessoa no olho. Pode parecer que não faz diferença, mas a gente sabe que faz. Quem já recebeu uma escuta de qualidade sente que um abraço, um olho no olho pode fazer toda a diferença”, frisou.

Superação 

A promotora de Justiça Karine Leopércio, coordenadora do Programa Vidas Preservadas do MPCE, enalteceu a postura do Sindojus que, diante das dificuldades, teve uma postura proativa de buscar ajuda e discutir esse tema, que é difícil de tratar, está envolvido em tabus, mas, ainda assim, o sindicato tem procurado trazer essa discussão para que os associados e associadas tenham conhecimento e possam ressignificar as suas dificuldades para que sejam um momento de superação e renovação de esperanças.

Na véspera do evento, a promotora contou que resolveu mudar a apresentação e apresentou alguns levantamentos, anotados em um papel. Aproveitou para recomendar, a quem puder, fazer o velho diário. “Caso não tenham uma pessoa para desabafar no momento faça a escrita, porque ela realmente é terapêutica”, sugeriu. Entre os dados apresentados pela coordenadora do Vidas Preservadas estão os da cartilha “Informando para prevenir”, publicada pela Associação Brasileira de Psiquiatria e pelo Conselho Federal de Medicina, os quais apontam que 96,8% dos casos de suicídio registrados estão associados com histórico de transtornos mentais e, principalmente a depressão, que podem ser tratados.

“Nós não sabemos viver os intervalos de ócio, porque a gente se cobra muito por essa produtividade”, observou a promotora de Justiça Karine Leopércio.

“Nós não sabemos viver os intervalos de ócio, porque a gente se cobra muito por essa produtividade. E não é culpa da gente, tivemos uma criação assim, desde o início se exige da gente desempenho. Em nenhum momento nos ensinam a fazer essa gestão do autocuidado, pelo contrário, você sempre está abafando o desejo do outro até chegar ao ponto que a gente mesmo perde a noção do que deseja. Nós não sabemos o que nos causa alegria, prazer, o que nos motiva na vida”, observou.

Pandemia foi gatilho 

Acrescentou ainda que na pandemia houve um “boom” na saúde mental. Conforme estudo divulgado pela Organização Mundial de Saúde (OMS), no primeiro ano a prevalência global de ansiedade e depressão aumentou 25%. “Houve um choque, um desmoronamento do nossos sistema de vida. De repente, ninguém podia sair de casa, não se sabia o dia de amanhã, que doença era essa. Foi o gatilho para inúmeros transtornos mentais que precisam ser olhados e cuidados com seriedade, porque é uma doença biológica que precisa de um acompanhamento sério, de profissionais que possam dar essa assistência”, reforçou.

No que diz respeito aos planos de saúde no Brasil, dados da Agência Nacional de Saúde (ANS) apontam que, em 2019, o número de procedimentos relacionados ao cuidado com a saúde mental aumentaram 167% se comparado a 2011, o que comprova a importância de se ampliar o debate e os meios para enfrentamento dos transtornos mentais. “Quem consegue psiquiatra por plano de saúde? E psicólogo? Ninguém. A gente, juntamente com a Promotoria de Defesa da Saúde Pública tem batido muito nesse ponto em relação aos planos de saúde, para que criem as linhas de cuidados necessários”, salientou.

A promotora de Justiça Karine Leopércio apresentou alguns levantamentos, anotados em um papel, e aproveitou para recomendar, a quem puder, fazer o velho diário, pois a escrita é terapêutica.

Estudo realizado pelo Instituto Ipsos, a pedido da empresa farmacêutica Janssen, que ouviu 800 pessoas com ou sem relação com a depressão de 11 estados brasileiros constatou que o brasileiro demora, em média, 39 meses, ou seja, três anos e três meses para procurar ajuda médica para tratamento de depressão.

“A pessoa procura a igreja, a religião, o centro espírita, todo tipo de ajuda, mas não procura ajuda médica, porque muitas vezes acha que aquilo é fraqueza, falta de Deus, um momento passageiro, que na verdade não passa, vai se prolongando e vai se tornando crônica, e quando ela vai procurar um médico já está em uma situação muito mais grave. As consequências dessa demora são a cronificação da doença, o agravamento dos sintomas e a redução da eficácia dos tratamentos. Força de vontade e o apoio familiar são importantes, mas o cuidado profissional também é fundamental”, apontou.

Resgate da humanidade

Maior parte desse público está no mercado de trabalho, o para Karine Leopércio demonstra o quanto está sendo produzido um local de trabalho adoecedor. “Costumo dizer que a gente vive uma ansiedade por produtividade. O meu desempenho enquanto promotora virou um número. Toda essa crise que estamos vivenciando e o próprio Poder Judiciário passou por algumas situações em um intervalo de tempo pequeno cria um sinal de alerta, principalmente quando se trata de casos em locais de trabalho, o que demonstra uma relação direta com o trabalho. Enquanto a tecnologia avança, os casos da vida real têm demonstrado que precisamos resgatar a nossa humanidade, nos ver como humanos, com limitações e muitas potencialidade”, diz.

“Costumo dizer que a gente vive uma ansiedade por produtividade. O meu desempenho enquanto promotora virou um número”, frisa a coordenadora do Programa Vidas Preservadas.

A coordenadora do Vidas Preservadas complementou que é preciso melhorar o ambiente de trabalho, no sentido de ter um olhar para aquele profissional e reconhecê-lo como pessoa. “Quando a gente pega um superior hierárquico que tem esse lado mais humano, que traz leveza e harmonia para o ambiente de trabalho, você consegue tirar do servidor uma produtividade sem igual, mas quando pega um superior que por mais que você se esforce, por mais que tente superar todas aquelas metas ele só reclama e só lhe humilha, que nem permite que você fale, ele vai acabar murchando. O trabalho se torna uma tortura, pois ele sabe que vai enfrentar discriminação, preconceito e, principalmente, o não reconhecimento. Temos que redimensionar isso”, afirmou.

O tenente-coronel Edir Paixão, que já participou de várias ocorrências relacionadas a tentativas de suicídio, enfatizou que é muito melhor prevenir.

Conhecimentos que salvam vidas

O tenente-coronel do Corpo de Bombeiros Edir Paixão, que já participou de várias ocorrências relacionadas a tentativas de suicídio, enfatizou que é muito melhor prevenir. “Trabalhar com conhecimento, educação e prevenção para que as pessoas não entrem nessa crise chamada suicida, portanto, a nossa gratidão por estarmos nessa parceria com o sindicato, o Corpo de Bombeiros e o Ministério Público, por meio do Programa Vidas Preservadas. Agradecer por termos esse approach com as instituições e a sociedade para que a gente possa valorizar a vida. Promover saúde mental, bem-estar e preservar suicídios valorizando a vida. Estamos aqui compartilhando conhecimentos que salvam vidas”, disse.

Para ele, não se trata de só mais um evento. “Nós que estamos aqui podemos sair impactados positivamente e o que a gente dialoga faça uma diferença crucial na nossa vida pessoal e na vida daqueles que convivem com a gente. Pode ser só mais um momento, mas pode ser o momento para a vida da gente para aquilo que a gente possa parar e se perceber. Eu estou aqui, porque eu quero salvar vidas e a forma que eu acredito é através de uma coisa chamada prevenção”, comentou.

A palavra trabalho deriva do latim tripalium ou tripalus, que era o nome de um instrumento de tortura usado contra os escravos e presos. O tenente-coronel menciona o antropólogo Roberto da Matta, que diz que o brasileiro herdou a cultura do trabalho não como a construção de realização das ideias, do prazer de executar um sonho, mas como processo de tortura. E faz um convite para que cada um reflita até que ponto o seu trabalho é realmente tortura ou algo que lhe dá prazer, que traz um significado, um sentido por estar ajudando as pessoas, e fala da importância da ressignificação, de refletir sobre o trabalho, a função que exerce.

Edir Paixão falou também da importância da escuta, do diálogo e do acolhimento com humanidade. Pediu ainda que as pessoas refletissem sobre a tal felicidade encontrada em horinhas de descuido, para valorizar esses momentos. “Não esperam a condição ideal, ela não virá, não acontecerá, a gente que tem que fazer acontecer”, disse.

O presidente do Sindojus, Vagner Venâncio, com os palestrantes Edir Paixão e Karine Leopércio.

Busque ajuda profissional

A vida é sempre a melhor solução” é o slogan da Comissão Corrente da Vida. Tristeza, sensação de vazio, sentimento de culpa, baixa autoestima, sono e apetite alterados, cansaço, falta de concentração, irritabilidade, além de interpretação distorcida e negativa da realidade são alguns sintomas de depressão. Caso esteja sentindo algo assim, não hesite em buscar ajuda profissional e, lembre-se, que para todo problema há solução.

No Ceará, esse apoio é prestado pelos Centros de Atenção Psicossocial (Caps) e por unidades como o Hospital de Saúde Mental Professor Frota Pinto (HSM) e o Hospital Universitário Walter Cantídio (HUWC). É feito atendimento também no Programa de Apoio à Vida (Pravida) da Universidade Federal do Ceará (UFC): (85) 3366.8149 e (85) 98400.5672. E de forma remota pelo Centro de Valorização da Vida (CVV), por meio do número 188 ou pelo site www.cvv.org.br.

Nos casos de urgência e emergência, deve-se acionar a Polícia Militar do Ceará (PMCE) pelo 190, o Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu) no 192 ou o Corpo de Bombeiros Militar do Ceará (CBMCE) no 193.

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Luana Lima

Jornalista

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