Entrevista: Oficiala de Justiça agredida durante cumprimento de mandado em MG encoraja mulheres vítimas de violência a denunciar
Ao Sindojus Ceará, Maria Sueli Sobrinho fala sobre as marcas deixadas pela violência que sofreu no dia 8 de março, as quais afetaram não só o seu corpo, mas também o seu emocional
Quatro dias depois da grave agressão sofrida pela oficiala de Justiça Maria Sueli Sobrinho, da comarca de Ibirité, em Minas Gerais, em pleno Dia Internacional da Mulher, a assessoria de comunicação do Sindicato dos Oficiais de Justiça do Ceará (Sindojus-CE) entrou em contato com a servidora para uma entrevista. As marcas da violência que sofreu afetaram não só o seu corpo – ela está com o rosto inchado, cheio de hematomas, teve fratura no nariz e a boca cortada –, mas também o seu emocional. Extremamente abalada, Sueli conta que o sentimento é de revolta, impotência, injustiça, vergonha e também de alívio, por estar viva.
E se fosse um homem cumprindo a diligência, será que a reação do agressor teria sido a mesma? Na visão da Oficiala de Justiça, não. “Se fosse um homem que tivesse a mesma força física dele, ele não teria feito o que fez”, opina.
Ela já tinha decidido voltar a trabalhar, até porque o atestado médico foi de apenas quatro dias, mas o seu corpo tem dado sinais de que não está bem. Na madrugada de ontem, por exemplo, acordou por volta de 1 hora e chorou. Vem sentindo também náuseas, febre. Sem saber como será quando retornar ao cumprimento das ordens judiciais, a servidora diz que vai precisar de acompanhamento psicológico e prefere se resguardar nesse momento, antes de retornar às atividades.
Oficiala teve amiga vítima de feminicídio na última segunda-feira (10)
Enquanto tenta digerir a violência pela qual passou, a oficiala de Justiça, sem conseguir conter as lágrimas, conta que ainda está em luto pela morte de uma amiga que fora brutalmente assassinada pelo ex-marido, na última segunda-feira (10), também em Ibirité, vítima de feminicídio. Na tarde de ontem, ela foi ao velório se despedir da amiga. “Eu poderia estar no lugar da Kéia (Miquéias), eu poderia estar morta agora se uma pessoa não tivesse intervindo ou se provavelmente ele estivesse armado”, comenta.
Ainda indignada com o que aconteceu, Sueli diz que espera que o agressor seja exemplarmente punido, para que nenhuma Oficiala de Justiça, nenhuma trabalhadora passe pelo que ela passou. E encoraja outras mulheres a denunciarem todo e qualquer tipo de violência. “Se todas denunciarmos eu acredito que talvez a gente construa uma sociedade em que as mulheres não sofram tanta violência como a nossa. Isso precisa acabar”, enfatiza. Confira a entrevista na íntegra.
Sindojus Ceará – Você é oficiala de Justiça desde 2006. Nesses 18 anos de profissão, você já tinha passado por alguma situação parecida?
Sueli Sobrinho – Dessa natureza, não. A gente cotidianamente lida com agressões verbais, alguns desentendimentos, mas como eu sou uma pessoa muito tranquila, até uma medida constritiva que a pessoa está mais nervosa eu consigo conduzir e no final da diligência as pessoas costumam até se desculpar, ficarem envergonhadas por terem ficado bravas, enfim. Dessa natureza e de forma tão gratuita, de forma alguma, ainda mais uma coisa que eu não fui preparada, porque não era uma medida constritiva. Quando é uma medida constritiva você chega mais preparada, era uma intimação simples, de uma audiência, e infelizmente eu fui recebida dessa forma.
Sindojus Ceará – Qual o sentimento de ter sido violentamente agredida em pleno Dia da Mulher? Se fosse um homem, você acha que a reação da parte teria sido a mesma ou foi só pelo fato de você ser mulher?
Sueli Sobrinho – Provavelmente não teria sido a mesma, ainda mais se tivesse a mesma força física dele. Eu fiquei extremamente chateada, extremamente abalada, principalmente no Dia da Mulher, que a gente deve receber os parabéns, que a gente deve ser homenageada por ter ido para o mercado de trabalho, por estar trabalhando, ainda mais que a gente acumula diversas funções e eu ser recebida daquela forma e ser agredida de forma tão violenta. Provavelmente se fosse um homem, que tivesse a mesma força física dele, ele não teria feito o que fez.
Sindojus Ceará – Você chegou a sofrer alguma fratura? Quais foram os danos físicos? E os psicológicos?
Sueli Sobrinho – O meu rosto está bastante inchado, estou com bastantes hematomas, tive um corte no nariz, uma fratura no nariz, a minha boca também cortou. Agora eu vou passar por um médico cirurgião à tarde para poder analisar a necessidade de fazer uma cirurgia no nariz.

Foto: Arquivo pessoal da oficiala Sueli Sobrinho
Sindojus Ceará – De que forma que isso afetou psicologicamente você?
Sueli Sobrinho – Olha Luana, eu sou uma pessoa extremamente forte, graças a Deus. Eu tinha decidido voltar a trabalhar, porque eu recebi apenas quatro dias de licença médica, e eu resolvi trabalhar, só que essa minha teimosia, o meu corpo começou a me mostrar que eu não sou tão forte assim. Eu tive febre hoje, tive dor de barriga, diarreia, vômito. O meu corpo me mostrando para eu deixar essa teimosia de lado, porque eu não estou bem. Eu acordo à noite e choro, essa noite (na noite de ontem) eu acordei 1h da madrugada e chorei. Desculpa… (fala interrompida pela voz embargada da oficiala). E ontem (no último dia 10 de março) uma amiga minha foi vítima de feminicídio. Além de estar digerindo tudo isso que aconteceu comigo, eu ainda estou em luto. Estou indo para o velório dela agora a pouco. Foi morta a facadas pelo ex-marido, trabalhando, assim como eu. Eu só penso assim: eu poderia estar no lugar da Kéia. O nome dela é Miquéias, a gente chama ela de Kéia, eu poderia estar morta agora se a pessoa não tivesse
intervindo ou se provavelmente ele estivesse armado. Eu só estou agradecida. Resolvi tirar mais uns dias de licença, vou passar pelo psicólogo e vou me resguardar um pouco, porque sinceramente eu não sei como vou ser recebida, eu não sei como que eu vou reagir. Se a pessoa for até um pouco grosseira eu já vou ficar assustada, eu vou ficar com medo, eu tenho que digerir isso melhor e depois eu volto com mais calma.
Sindojus Ceará – O policial teve a prisão convertida em preventiva e deverá responder por lesão corporal qualificada, atribuição de identidade falsa, oposição à execução de ato legal e desacato, além de quatro crimes militares. Na hora da agressão ele chegou a dizer que só responderia por lesão corporal. Diante de toda essa situação, o que você espera da apuração e punição dessa agressão gratuita que você sofreu?
Sueli Sobrinho – Eu espero que ele seja punido, né? Exemplarmente punido para que nenhuma oficiala de Justiça passe pelo que eu passei, nenhuma trabalhadora passe o que eu passei, que nenhum homem que se valha da sua superioridade em força física, porque não somos frágeis apenas fisicamente, que possa querer subjugar uma mulher com agressão física dessa forma. Que sirva de exemplo para que outros homens jamais façam isso.
Sindojus Ceará – Passado o susto, qual o sentimento que fica?
Sueli Sobrinho – Olha, eu ainda estou muito revoltada. Eu falei que na hora a gente fica com aquele sentimento de impotência, de injustiça, mas pelo flagrante dele ter sido convertido em preventiva e ele ter permanecido preso eu estou até aliviada, né? Porque querendo ou não a gente denuncia, porque não pode deixar um absurdo desses passar, mas você fica com medo de alguma represália, então é um sentimento de alívio. Agora é seguir a minha vida, me recuperar, ficar com a minha cabeça melhor para eu poder voltar a trabalhar.
Sindojus Ceará – Existe um projeto de lei que está tramitando no Congresso Nacional, o PL 4015/2023, que trata do recrudescimento do tratamento penal para crimes praticados contra Oficiais de Justiça e do reconhecimento da atividade de risco da categoria. Qual a importância da aprovação desse PL e quais medidas você acredita que devem ser tomadas no sentido de garantir uma maior segurança para o Oficial de Justiça no exercício da profissão?
Sueli Sobrinho – A gente não tem condições de ter uma viatura em cada cumprimento de mandado, eu acho que o porte de armas seria essencial. Só de a população saber que o Oficial de Justiça tem o porte de armas e pode estar armado certamente isso inibiria agressões como essa. A pessoa não vai arriscar, ela vai ficar inibida de agredir o Oficial de Justiça. É claro que o uso com muita sabedoria, com curso, todo mundo com muito preparo, com bom senso, com certeza inibe, sim.
Sindojus Ceará – Aquela foto sua com o rosto ensanguentado foi feita no próprio local da diligência?
Sueli Sobrinho – Sim, foi. Os meus colegas falam para a gente tomar cuidado, não trabalhar aos sábados, só que devido ao excessivo volume de mandados, a comarca de Ibirité, que tem um volume de mandados extremamente alto, e como eu estava substituindo um colega que fez uma cirurgia de emergência, eu fiquei com um volume de mandados muito grande e resolvi trabalhar um pouco no sábado à tarde, então eu tirei a foto e enviei no grupo dos Oficiais de Justiça, porque todo relato que a gente tem alguma dificuldade a gente manda nesse grupo dos oficiais da comarca, então eu mandei a foto de forma despretensiosa, só falando: olha gente, o que aconteceu comigo. Olha, de fato trabalhar de tarde não vale a pena. Não vamos fazer isso no fim de semana, a gente tem que sentar e conversar sobre isso, porque eu fui agredida. Só que a revolta foi muito grande, o pessoal começou a viralizar a foto e deu essa repercussão toda.
Sindojus Ceará – Teria mais alguma coisa que você gostaria de falar, Sueli?
Sueli Sobrinho – Foi uma coisa horrível que aconteceu comigo, eu nunca imaginei passar por uma situação dessas. O sentimento que você fica é se sentir envergonhada, você fica revoltada. Quando uma mulher vítima de violência fala que fica com vergonha de ter apanhado, ela não fez nada de errado, mas fica com vergonha de ter apanhado, eu não entendia. Infelizmente, para entender eu tive que experienciar isso. O sentimento é de vergonha, mas que outras oficialas, que outras trabalhadoras, que outras mulheres que sofram violência, que elas não se calem. Eu sei que é difícil, eu sei que dá medo, eu sei que dá vergonha, mas o exemplo que essa repercussão teve por eu ter denunciado e ter levado até as últimas consequências é a prova disso, de que a gente não pode deixar isso acontecer e se todas denunciarmos eu acho que talvez a gente construa uma sociedade em que as mulheres não sofram tanta violência como a nossa. Isso precisa acabar.
Violência contra a mulher é crime, denuncie! Ligue 180
Áudio: ouça a entrevista, na íntegra, com a oficiala de Justiça Maria Sueli Sobrinho