À Corregedoria-Geral da Justiça

Sindojus solicita sigilo dos Oficiais de Justiça e edição de norma para os mandados oriundos das Varas de Delitos de Organizações Criminosas

Sem um normativo interno, o que se verifica são medidas de alta complexidade serem cumpridas em total desproteção funcional e sem qualquer suporte da administração

21/08/2025
Foto: Daniel Barroso/Sindojus Ceará

A atuação dos oficiais e das oficialas de Justiça no cumprimento de mandados judiciais vinculados às Varas de Delitos de Organizações Criminosas (VDOC) do Tribunal de Justiça do Ceará (TJCE) tem se mostrado sensível, perigosa e desprovida de garantias funcionais compatíveis com o grau de risco a que são submetidos(as). Diversos servidores e servidoras que atuam nesses processos – como magistrados(as), membros do Ministério Público, defensores(as) públicos(as) e servidores(as) administrativos(as), por exemplo, têm suas identidades resguardadas nos autos dos processos por medida de segurança, sendo identificados apenas pela função, códigos funcionais ou expressões genéricas.

Oficiais e oficialas de Justiça, no entanto, mesmo cumprindo diligências externas, frequentemente em locais de risco, em contato direto com pessoas investigadas, denunciadas ou ligadas a facções criminosas, são obrigados(as) a firmar, de forma nominal e identificada, as certidões e os mandados cumpridos. O presidente do Sindicato dos Oficiais de Justiça do Ceará (Sindojus-CE), Vagner Venâncio, destaca que essa exposição é incompatível com a natureza do serviço prestado, desrespeita o princípio da isonomia funcional e coloca em risco a integridade física e a segurança pessoal dos oficiais, das oficialas e de seus familiares.

A entidade submeteu essa situação à Corregedoria-Geral da Justiça do Ceará (CGJCE), uma vez que além da exigência da identificação nominal de oficiais e oficialas de Justiça, há uma ausência de padronização e de estrutura mínima para o recebimento, cumprimento e devolução de mandados judiciais sigilosos, sobretudo, nas diligências que envolvem testemunhas protegidas, o que tem gerado insegurança funcional, comprometimento da confidencialidade e risco de responsabilização indevida desses servidores e servidoras.

Oficial denuncia “risco gigantesco e exposição desnecessária” no cumprimento desse tipo de diligência

“Se o juiz, o promotor e os servidores internos têm o sigilo garantido mesmo trabalhando dentro do fórum, internamente, por que o Oficial de Justiça que vai lá onde a pessoa mora, que vai no local que é tomado por facções, presencialmente, não tem essa proteção? O fato do Oficial de Justiça ir até uma comunidade que é dominada por facções e começar a fazer perguntas sobre chefes de facções, sobre traficantes conhecidos gera todo um comentário naquela comunidade, e no Interior, como é meu caso, onde só tem um Oficial de Justiça na cidade, já sabem que sou eu o oficial, então é um risco gigantesco e uma exposição desnecessária para o Oficial de Justiça”, diz, em tom de desabafo, um oficial lotado no Interior (identidade preservada por medidas de segurança).

Ele conta que na semana passada recebeu vários mandados oriundos da VDOC cujo como objetivo é desmontar uma facção criminosa que atua em dois municípios vizinhos, o que de imediato lhe causou temor, uma vez que esses acusados saberão que ele tem conhecimento do teor do processo e de todo o sistema da organização criminosa. O servidor frisa que não basta só fornecer o sigilo funcional, ou seja, não constar o nome dele no processo – o que no Judiciário cearense ainda não é garantido para o Oficial de Justiça –, mas ter o sigilo resguardado na prática.

Ausência de padronização

O art. 5º, inciso X, da Constituição Federal assegura a inviolabilidade da intimidade, vida privada, honra e imagem das pessoas, o que deve ser aplicado ao servidor público quando este se encontra vulnerável diante do exercício de sua função, especialmente em contextos de enfrentamento ao crime organizado. O princípio da dignidade da pessoa humana (CF, art. 1º, III) também impõe à administração o dever de preservar a integridade e os direitos fundamentais dos seus agentes, o que inclui a proteção contra riscos desproporcionais decorrentes do exercício da função pública.

O diretor Jurídico Carlos Eduardo Mello reforça a necessidade de harmonização institucional que garanta aos Oficiais de Justiça o mesmo tratamento conferido aos demais servidores que atuam em processos de alta complexidade, permitindo-lhes o uso de identificação funcional codificada ou outro método de anonimização nos autos, mediante normativo da Corregedoria-Geral da Justiça. Além de resguardar a segurança dos oficiais e oficialas, essa medida estará em consonância com o dever da administração pública de zelar pelo meio ambiente de trabalho seguro, conforme está previsto no art. 7º, XXII, da Constituição Federal, aplicável aos servidores públicos por meio do art. 39, §3º, da carta magna.

“Não se trata de privilégio, mas de medida de proteção mínima, racional e urgente cuja implementação representa avanço na valorização e proteção dos Oficiais de Justiça, sem prejuízo à legalidade ou à publicidade dos atos processuais – que continuam assegurados pela certificação dos atos praticados, mesmo que com identificação codificada ou sigilosa”, reforça Carlos Eduardo Mello.

Desproteção funcional

São inúmeros os relatos por parte de Oficiais de Justiça, chefias e magistrados de que não existe qualquer normativo interno da Central de Comprimento de Mandados Judiciais (Ceman) ou do TJCE que defina quais Oficiais de Justiça devem cumprir mandados sigilosos, quais são os procedimentos esperados ou mesmo se há compensação ou redistribuição de carga para quem realiza diligências desse tipo. Em vez disso, o que se verifica são medidas de altíssima complexidade serem cumpridas em total desproteção funcional, sem qualquer suporte da administração, impactando diretamente na produtividade, na saúde mental e na segurança jurídica dos oficiais e oficialas de Justiça envolvidos.

Essa omissão institucional expõe a categoria a duplo risco: o de comprometer o sigilo judicial, por falhas estruturais que não são da responsabilidade do Oficial de Justiça, como mandados entregues sem lacre, com números de telefone das testemunhas no corpo do documento, etc.; e o de responsabilização disciplinar ao ser interpretado equivocadamente como desidioso ou negligente por eventual imprecisão ou omissão na execução da ordem judicial.

Sindicato solicita à Corregedoria a edição de norma própria, clara e uniforme

A solicitação do Sindojus é para que a Corregedoria edite norma própria, clara e uniforme que estabeleça um fluxo institucional seguro e orientado para todas as etapas do mandado sigiloso, desde a recepção na unidade, passando pela distribuição na Ceman, escolha do servidor ou servidora, cumprimento externo, certificação autorizada, devolução controlada e protegida. A normatização deve prever ainda: a restrição do número de servidores autorizados para receber esse tipo de mandado; treinamento específico e orientação jurídica sobre limites da atuação; sigilo na certificação e relatórios; e compensação ou abatimento proporcional de carga ordinária, dada a complexidade e o tempo dedicado à diligência.

A ausência dessa regulamentação tem sido fator central de abertura de sindicâncias e penalizações injustas em que os próprios magistrados(as) supervisores(as) das Centrais reconhecem a inexistência de dolo, ao passo que defendem a urgente necessidade de estabelecer um fluxo formal para esse tipo de cumprimento.

“Não é razoável que a omissão normativa continue produzindo efeitos danosos ao servidor, sem que a Administração tome providência concreta para corrigir uma falha estrutural que afeta não apenas a categoria dos(as) Oficiais de Justiça, mas também a própria efetividade da prestação jurisdicional do Estado”, enfatiza Vagner Venâncio.

*Todos os ofícios, requerimentos administrativos, pedidos de providências e documentos afins protocolados pelo Sindojus, encontram-se disponíveis aos sindicalizados(as) na área restrita do site em: Jurídico, Informações Processuais.

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Luana Lima

Jornalista

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