Homenagem

Oficialas de Justiça falam dos desafios de terem sido as primeiras mulheres a assumirem o cargo no Ceará

Neste mês de março, quando é celebrado o Dia do Oficial de Justiça e o Dia Internacional da Mulher, o Sindojus faz um resgate na história e retorna à década de 1970, quando o Fórum Clóvis Bevilacqua era situado na Praça da Sé, Centro de Fortaleza

25/03/2021
Registro aéreo do Fórum Clóvis Bevilacqua do ano de sua inauguração, em 1960. Foto: Acervo Nirez

Se hoje, em pleno século XXI, ainda são inúmeros os desafios enfrentados pelas mulheres de todo o mundo, imagine em 1975, quando tomou posse a primeira Oficiala de Justiça do Ceará. Ainda que se trate de uma das profissões mais antigas do judiciário, com menção até na bíblia, era uma função até então exercida somente por homens. Neste mês de março, quando é celebrado o Dia Nacional do Oficial de Justiça e também o Dia Internacional da Mulher, o Sindicato dos Oficiais de Justiça do Ceará (Sindojus-CE) faz um resgate na história e retorna à década de 1970, quando o Fórum Clóvis Bevilacqua era situado à Praça da Sé, no Centro de Fortaleza.

Margarida Brasil, primeira mulher a assumir o cargo, ainda tem fresco na memória as dificuldades que teve de enfrentar. Entre as várias jornadas de trabalho que exercia: de dona de casa, mãe e esposa; estava também a de Oficiala de Justiça. Ela conta que, durante 42 anos, teve de conciliar todas essas funções. Naquela época, as mulheres eram discriminadas em várias profissões, sobretudo, na que escolheu. Foi no dia 5 de maio de 1975 que tomou posse, rompendo barreiras do preconceito e exercendo, com profissionalismo e competência, o seu mister.

“Como mulher, eu passei por muitas situações desagradáveis, então fico feliz de ver as colegas exercendo a função de Oficiala de Justiça e dando um show de coragem e profissionalismo. Antigamente, só tinha pedido de separação de corpos, nada protegia a mulher. Nas diligências, muitas vezes eu ouvia ameaças do tipo: ‘você vai me pagar’, ‘você vai ver o que vai acontecer’, ‘ainda por cima ser retirado do meu lar por uma mulher’, além de intimidações similares”, recorda Margarida, que é diretora dos Aposentados do Sindicato dos Oficiais de Justiça do Ceará (Sindojus-CE).

Apesar das dificuldades e de muitas vezes ter sido desacreditada até pelos próprios colegas do meio jurídico, entre advogados, magistrados e também Oficiais de Justiça, nada a impediu de exercer a profissão que escolheu. Medo? Ela assegura que nunca teve “e não sabe nem qual é a cor”. Realizada no ofício que exerceu até 2018, a oficiala aposentada enaltece as leis de proteção à mulher conquistadas ao longo do tempo e diz que, embora muitas continuem sendo vítimas de barbaridades cometidas quase sempre por seus companheiros, muita coisa melhorou. “É como diz a música, Maria da Penha sou eu, Maria da Penha é você. Seja mulher, abra a sua boca, aprenda a se defender, pois hoje existe uma lei que defende você”, ressalta.

Informativo

No resgate da história, ela achou um precioso documento, o informativo “A Citação”, publicado em novembro de 1981 pela Associação Cearense de Oficiais de Justiça (Acojust), o qual, à época, tinha como presidente José Olavo de Norões Ramos, vice-presidente José Laerte da Rocha, tesoureiro Raimundo Viana Costa, secretário Fábio de Almeida e diretor de promoção Francisco de Sousa Filho.

Nele constam registros fotográficos da festa de lançamento, da confraternização natalina e uma homenagem a Francisco Flósculo Barreto. O informativo aborda temas como a carreira do Oficial de Justiça e as perspectivas futuras, o artigo “Detetive particular na atualidade” e nota de Nonato Filomeno, cujo título era “Exaltação a um jornal”. Por ocasião de seu lançamento, o Poder Judiciário tinha à frente o desembargador José Ferreira de Assis e José Almir de Carvalho como diretor do fórum.

Habilidades

Pertencente ao grupo das pioneiras, Rocidélia Dantas foi uma das primeiras mulheres a assumiu o cargo de Oficiala de Justiça. Tomou posse no dia 25 de março de 1981, na data em que hoje é celebrado o Dia Nacional do Oficial de Justiça, e conta que foi muito desafiador assumir a profissão, por se tratar de um trabalho solitário, de risco e por ter que trabalhar em todos os bairros de Fortaleza (naquela época não existia o sistema de rotas). Ela recorda que diversas vezes as partes manifestavam surpresa quando se identificava como Oficiala de Justiça. Além de conhecimento jurídico, ela comenta que se trata de uma profissão que exige coragem (diante dos altos índices de violência no Estado), equilíbrio emocional e habilidade para tratar com o público externo.

Para Rocidélia ser oficiala naquela época era difícil, a começar pelo salário, que deixava muito a desejar. A categoria recebia um baixo salário fixo e a outra parte recebia por diligência, paga pelas partes, referentes a mandados expedidos pelos cartórios particulares. Além disso, o Oficial de Justiça trabalhava em toda a cidade, muitas vezes de ônibus. Não existia celular e nem computador, os mandados eram certificados manualmente ou em máquinas de datilografia. Quando assumiu, ela lembra que o Fórum Clóvis Beviláqua era localizado na Praça da Sé, em um prédio antigo, mal conservado e com péssimas condições de trabalho.

Antigo Fórum Clóvis Bevilacqua, situado à Praça da Sé, Centro da cidade

“A Sala dos Oficiais de Justiça era muito pequena, com poucos birôs, cadeiras e máquinas de datilografia antigas, insuficientes para todos. Por essas razões, muitas vezes certifiquei mandados manualmente, sentada nas cadeiras dos corredores do antigo fórum. Em vez do computado e dos aplicativos de celulares com mapas, usávamos a lista telefônica e o mapa da cidade impresso para facilitar o nosso trabalho”, recorda aos risos. Hoje, comenta que muita coisa mudou. Foi criada a Central de Mandados Judiciais (Ceman), a cidade foi dividida em rotas e os processos passaram a ser digitalizados, tornando o trabalho mais prático e produtivo.

Também houve considerável avanço em relação às condições de trabalho. No atual Fórum Clóvis Beviláqua, situado à Avenida Washington Soares, Rocidélia destaca que os Oficiais de Justiça contam com uma ampla sala equipada com computadores, telefones, mesas e cadeiras para todos. E com a implantação do Plano de Cargos, Carreiras e Remunerações por parte do Tribunal de Justiça do Ceará (TJCE), a categoria conquistou melhoria salarial. Apesar disso, frisa que ainda há muito a ser conquistado. Ela enaltece o imprescindível trabalho realizado pelo Sindicato dos Oficiais de Justiça do Ceará (Sindojus-CE), que “sempre foi um sindicato atuante, batalhador e incansável na busca dos direitos dos sindicalizados”, bem como pela Federação das Entidades Sindicais de Oficiais de Justiça do Brasil (Fesojus).

Colheita

Hoje, com salário reduzido após ter se aposentado em 2019, a oficiala, uma das pioneiras no cargo, afirma que está vivendo o tempo da colheita, de realizar projetos que foram adiados durante anos em face da dedicação ao trabalho. “Tempo para dar mais atenção à família, ler, fazer cursos e assistir a palestras interessantes, ouvir música, assistir filmes, viajar (quando puder), praticar o esporte favorito: pescar e caminhar na praia, de conviver cara a cara com a natureza, enfim, de ter como único compromisso ser feliz o máximo que puder”, finaliza.

Por meio desse resgate na história, o Sindojus presta homenagem a todos os oficiais e oficialas de Justiça do Ceará, que por meio de muita luta, união e dedicação contribuíram para o fortalecimento da categoria.

*O Sindojus agradece ao jornalista e pesquisador Miguel Ângelo de Azevedo (Nirez) por fornecer esse histórico registro do Fórum Clóvis Bevilacqua, datado de 1960, ano de sua inauguração. A imagem aérea mostra a Avenida Alberto Nepomuceno, Centro de Fortaleza.

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