Novo Código de Processo Civil conseguiu raro consenso de processualistas
Por Teresa Arruda Alvim Wambier e Fredie Didier Jr
Foi marcada a votação final do projeto do novo CPC, no Senado Federal: 16 de julho próximo.
O que parecia sonho, ou quimera, há menos de cinco anos, vai concretizar-se. Pela primeira vez na história brasileira, um Código de Processo Civil será promulgado em ambiente democrático.
Mas não é só: será o primeiro Código, tout court, cujo processo legislativo terá iniciado e terminado em período democrático.
Em tempos de hiperinformação, redes sociais, acesso mais fácil aos parlamentares e, consequentemente, maior fiscalização, não foi tarefa fácil. Todos opinam, criticam, divergem, concordam, sugerem, ajudam, atrapalham, tumultuam, pacificam, têm ideias brilhantes, bizarras, ultrapassadas ou vanguardistas, cedem, recuam, consentem, reconhecem, refletem, discutem, debatem, convencem, convencem-se, refluem, burilam, chateiam, chateiam-se, aborrecem, aborrecem-se, incomodam, incomodam-se e falam, tudo… sempre e muito.
Estamos vivendo tempos de consolidação da representação de todas as categorias relacionadas ao desenvolvimento do processo: advogados privados, advogados públicos (e todas as subdivisões: procuradores municipais, procuradores dos estados, advogados da União, procuradores federais), juízes (federais, estaduais e trabalhistas), membros do Ministério Público (Federal, Estadual e Trabalhista), defensores públicos (federais e estaduais), oficiais de justiça (federais e estaduais), notários e registradores, contabilistas, economistas, leiloeiros, todos, sem exceção, com entidades representativas atuantes e atentas aos aspectos do CPC que interessam a cada uma dessas categorias.
Estamos colhendo frutos da sociedade civil organizada, em cujo seio viceja uma complexidade impressionante e nem sempre harmoniosa de interesses, que, no Congresso Nacional, é representada por entidades incansáveis na defesa desses mesmos interesses, quase todos eles de algum modo relacionados ao novo CPC, lei que atinge todas as relações jurídicas não-penais (e até essas, em certa e menor medida) brasileira — Movimento dos Sem-terra, Confederação Nacional da Agricultura, FEBRABAN, Confederação Nacional da Indústria, AMCHAM etc.
São tempos de expansão de cursos de pós-graduação em Direito Processual no Brasil: há cursos de mestrado e doutorado no Brasil em diversos Estados da Federação, pelo menos em mais de quinze — em 1973, havia um ou dois cursos de doutorado no Brasil, em São Paulo. Há processualistas em todos lugares, escrevendo em cinco grandes e importantes revistas nacionais sobre o assunto (três impressas e duas eletrônicas), além de em outras, de menor alcance, publicando livros, didáticos ou monográficos, escrevendo colunas em sites ou mantendo seus próprios sites, de forte conteúdo editorial. Não há um único modo de pensar o processo no e para Brasil. Não há apenas muita gente: há muita gente boa.
A ciência do processo civil brasileira é, sem favor, uma das mais relevantes do mundo. Conseguiu-se, a despeito disso e durante quase cinco anos, algo insuspeito: já não há mais oposição de processualistas ao novo Código, existente no início da discussão. Enquanto todos gritavam, ninguém ouvia; bastou que cada um falasse ao seu tempo e ao seu modo, que o país foi ouvido. A união de juristas em torno de um projeto comum é fato raro — não por acaso, outros projetos de código, ainda mais antigos que o do CPC, sequer têm previsão de encaminhamento.
Em tempos assim, harmonizar tantas vozes é muito difícil.
Surpreendentemente, houve consenso das vozes que se fizeram ouvir diretamente na elaboração do novo código de forma direta — as comissões — e de forma indireta — os que participaram das inúmeras e intensas discussões, em torno de muitos pontos. Tanto é assim que os traços básicos do projeto foram mantidos e aprimorados. Percebe-se que todos sentíamos essencialmente as mesmas necessidades, que nos incomodavam os mesmos “defeitos” do sistema em vigor, que já não responde perfeitamente às nossas necessidades.
De repente, se percebe que todos vínhamos caminhando não exatamente nas mesmas estradas, mas seguramente na mesma direção.
Como isso foi possível?
Arriscamos uma hipótese, a ser comprovada futuramente, por estudiosos da história do direito brasileiro.
Conseguiu-se produzir um projeto sem sotaque.
Todos, de algum modo, se veem no projeto. Sentem que, em alguma medida, foram ouvidos. Todos, de alguma forma, e por outro lado, têm uma crítica a fazer — os subscritores não são exceção. Essa é a dor e a delícia da democracia — nós, processualistas, jamais havíamos passado por isso antes, e como foi bom ter podido viver esse momento, de modo tão próximo e intenso.
O CPC 2014 não será apelidado de Código-Alberto ou Código-Francisco. Como disse Sérgio Barradas, primeiro relator na Câmara dos Deputados: foi um código escrito a muitas mãos. Pensado por muitas cabeças.
O CPC 2014 será simplesmente chamado de Código de Processo Civil do Brasil.
E será o quanto basta.
Fonte: www.conjur.com.br