Lacuna institucional

Sindojus requer providências para garantir o cumprimento de mandados envolvendo crianças e adolescentes

Oficiais e oficialas estão sendo frequentemente pressionados a utilizar o seu veículo particular para dar cumprimento a determinações judiciais que envolvem o transporte deadolescentes

14/08/2025
Foto: Daniel Barroso/Sindojus Ceará

A ausência de estrutura adequada, o não comparecimento do Conselho Tutelar, a impossibilidade do uso de viaturas policiais e a pressão indevida para o uso de veículos particulares de Oficiais de Justiça são situações que vêm afetando diretamente o cumprimento das ordens judiciais envolvendo crianças e adolescentes, especialmente nos casos de busca e apreensão, entrega e condução coercitiva. O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) proíbe que adolescentes suspeitos de terem cometido atos infracionais sejam conduzidos ou transportados em compartimento fechado de veículo policial. Já os Conselhos Tutelares têm se recusado a acompanhar Oficiais de Justiça nas diligências, alegando que não possuem obrigação legal de participar do cumprimento dos mandados judiciais e nem infraestrutura logística para isso.

Esse cenário, comum em vários municípios, tem deixado oficiais e oficialas de Justiça em uma situação institucional delicada. Com a vedação do apoio e do uso do veículo policial, sem suporte do Conselho Tutelar e sem veículo institucional disponível, esses servidores estão sendo frequentemente pressionados a utilizar o seu veículo particular para dar cumprimento a determinações judiciais que envolvem o transporte de adolescentes, o que é irregular, inseguro e juridicamente insustentável.

Cenário de omissão logística

O resultado é a paralisação de diligências sensíveis, a frustração de ordens judiciais e o risco de responsabilização indevida do Oficial de Justiça, que se vê entre o cumprimento impróprio da ordem, com violação de garantias legais, ou a não execução do mandado, ficando vulnerável a sindicâncias e interpretações equivocadas de eventual descumprimento de dever funcional. Esse cenário de omissão logística e normativa coloca em “xeque” a efetividade da prestação jurisdicional, além de gerar insegurança jurídica para esses servidores, que carecem de diretrizes claras e de estrutura mínima para o cumprimento de atos dessa natureza.

Diante dessa situação, o Sindicato dos Oficiais de Justiça do Ceará (Sindojus-CE) solicita ao Tribunal de Justiça do Ceará (TJCE) que sejam adotadas medidas concretas com o objetivo de garantir o cumprimento das ordens judiciais, o efetivo andamento, a celeridade do processo, assim como a segurança jurídica, a proteção funcional e a integridade do serviço público prestado pela categoria dos Oficiais de Justiça.

Categoria está sendo compelida a usar veículo próprio em diligências sensíveis

Tem sido frequente a sugestão, ainda que implícita, para que Oficiais de Justiça utilizem os seus veículos particulares como única alternativa para o cumprimento de diligências que envolvam o transporte de adolescentes em conflito com a lei. Esse encaminhamento, no entanto, não tem nenhum respaldo jurídico, técnico ou administrativo e deve ser expressamente rechaçado pelo TJ.

Carlos Eduardo Mello, diretor Jurídico do Sindojus, reforça que o servidor público não pode ser compelido a empregar meios próprios para a realização de atividades inerentes ao cargo, sob pena de configuração de desvio de função, além de comprometer sua segurança física, patrimonial e jurídica.

Administração pública tem de fornecer infraestrutura mínima para o desempenho das atribuições funcionais

É dever da Administração Pública prover os meios adequados para o exercício das funções públicas, nos termos do art. 37 da Constituição Federal, que consagra os princípios da legalidade, eficiência e razoabilidade no serviço público. Além disso, nos moldes do art. 69 da Lei nº 8.112/90 (aplicável por analogia no âmbito estadual), a Administração Pública tem o dever de identificar, prevenir e mitigar os riscos inerentes às atividades dos servidores públicos, o que inclui o fornecimento de infraestrutura mínima para o desempenho das atribuições funcionais.

“Impor ao Oficial de Justiça o uso do próprio veículo para o transporte de adolescentes, especialmente diante da ausência de respaldo normativo, de cobertura de seguro institucional ou de acompanhamento técnico, é, além de temerário, absolutamente incompatível com os princípios da moralidade e da dignidade do trabalho”, reforça Carlos Eduardo Mello.

Prática expõe a categoria a vários riscos

Não se trata de uma questão meramente material. A utilização de veículo particular para transportar esses jovens expõe oficiais e oficialas de Justiça a vários riscos, entre eles: legal, por transportar crianças e adolescentes desacompanhados de responsáveis, sem suporte de Conselho Tutelar ou autoridade policial; pessoal e patrimonial, em caso de acidentes de trânsito, incidentes com os menores ou denúncias por má condução do ato; e funcional, por eventual responsabilização disciplinar, civil ou criminal diante de interpretação equivocada do ato praticado.

É importante destacar que não há previsão legal e nem normativa interna por parte do TJ que imponha ao Oficial de Justiça a obrigatoriedade de utilizar veículo próprio para cumprir diligências de qualquer natureza, muito menos aquelas que envolvem transporte de adolescentes, cuja complexidade exige veículos adaptados, assistência técnica especializada e protocolo institucional estruturado.

Vagner Venâncio, presidente do Sindojus, frisa que não se pode aceitar como solução tácita ou informal a prática de utilização de veículo particular do servidor como forma de suprir a omissão do Estado em fornecer os meios adequados para o cumprimento de seus próprios atos judiciais. Essa prática, se perpetuada, acrescenta o representante da categoria, não apenas contraria os princípios constitucionais e administrativos, como também fragiliza a posição funcional do Oficial de Justiça, que, além de mal equipado, se vê à mercê de interpretações subjetivas e de punições indevidas por condutas que, em verdade, decorrem da inércia institucional.

Vedação ao uso de veículo particular pelo Oficial de Justiça

A vedação ao uso de veículo particular pelo Oficial de Justiça encontra amparo no art. 245 da Consolidação Normativa Judicial do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e no Ofício Circular nº 91/2018 da Corregedoria-Geral da Justiça (CGJ), conforme já reconhecido por tribunais estaduais, como o do Rio Grande do Sul, por meio da Recomendação nº 10/2024 da CGJ do TJRS, que expressamente veda a determinação de magistrados(as) aos Oficiais de Justiça para o transporte de presos, doentes ou adolescentes em conflito com a lei em seus veículos particulares.

Carlos Eduardo Mello pontua que esse posicionamento reforça o entendimento do sindicato de que a prática é irregular e deve ser repudiada pelo TJ do Ceará.

Tendo em vista a necessidade de garantia jurídica, logística e institucional aos oficiais e oficialas de Justiça do Judiciário cearense frente à natureza sensível, complexa e de alto risco das diligências que envolvem crianças e adolescentes, e buscando assegurar condições mínimas de atuação funcional, em consonância com os princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana, da proteção integral à infância e à juventude, da valorização do servidor público e da eficiência da prestação jurisdicional, o Sindojus solicitou à Corregedoria-Geral da Justiça do Ceará (CGJCE) a adoção de providências urgentes e eficazes que garantam aos Oficiais de Justiça os meios institucionais adequados para o cumprimento de diligências envolvendo esse público, com a expressa vedação ao uso obrigatório de veículo próprio como solução a esse grave problema logístico e jurídico, bem como que sejam tomadas providências no sentido de solucionar de forma definitiva a lacuna institucional existente.

*Todos os ofícios, requerimentos administrativos, pedidos de providências e documentos afins protocolados pelo Sindojus, encontram-se disponíveis aos sindicalizados(as) na área restrita do site em: Jurídico, Informações Processuais.

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Luana Lima

Jornalista

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