8 de março

Oficialas de Justiça falam sobre os impactos da pandemia no trabalho e enquanto mulheres

Além da sobrecarga de trabalho e dos riscos inerentes à profissão, elas passaram a enfrentar mais um desafio: o medo de contrair o vírus. Tiveram que administrar ainda o aumento das demandas familiares e domésticas

08/03/2021
Foto: Sindojus Ceará

O Dia Internacional da Mulher representa, historicamente, um dia de mobilização, celebração de conquistas e luta por direitos. Em 2021, a pandemia da Covid-19 impôs mudanças nas relações pessoais e profissionais no mundo inteiro. E para as mulheres, quais os efeitos desta nova realidade? Além da sobrecarga de trabalho e dos riscos inerentes à atividade que exercem, neste ano, Oficialas de Justiça do Ceará relatam que passaram a enfrentar mais um desafio: o medo de contrair um vírus invisível e letal, além do temor de propagar a doença, uma vez que, por trabalharem nas ruas, em contato direto com a população, tornam-se potenciais vetores. Somado a isso, tiveram de acumular ainda o aumento das demandas familiares e domésticas, resultando em estresse, cansaço e ansiedade, exigindo, dessa forma, uma capacidade que lhes é peculiar: de se reinventar.

Camila Pinheiro, oficiala da Central de Mandados Judiciais (Ceman) de Fortaleza, afirma que a sensação é de que trabalha 24 horas por dia. “Essa pandemia nos trouxe um desafio muito grande. A mulher passou a exercer funções laborais praticamente 24 horas por dia, porque tem que adaptar o trabalho às aulas online dos filhos e às funções domésticas, então a sensação que eu tenho é de que estou na ativa em tempo integral”, frisa. Glória Sá, oficiala da comarca de Jucás, região Centro Sul do Estado, diz que o seu maior receio é de ser vetor de transmissão do vírus para as partes, principalmente quando precisa atender a pessoas em situação de vulnerabilidade social, que já estão com a saúde fragilizada.

Desafios

Oficiala de Justiça há 16 anos, Vanderni Freitas, da Ceman de Fortaleza, comenta que exercer as funções desse cargo implica desafios diários e que, em 2020, além da insegurança das ruas, adicionou o temor de contrair o vírus e contaminar os outros, principalmente os pais, que são idosos e fragilizados, e as pessoas do grupo de risco que encontra nas diligências. “Temo pela minha vida também, pois tenho um filho e ele ainda é muito novo para ficar sem mãe”, ressalta.

“Tenho medo, pois em todas as diligências os jurisdicionados nos recebem em suas residências sem máscaras. Eu estou cuidando deles, mas ninguém está cuidando de mim”, diz Vanderni Freitas

Aprender a lidar com o estresse de gerenciar uma longa fila de mandados sem perder as diligências urgentes, adequar a rotina de trabalho em homeoffice com a do marido e as aulas online do filho, e se adequar ao trabalho virtual e aos sistemas e aplicativos necessários para isso foram os principais desafios que Vanderni está tendo de enfrentar. Por outro lado, ela destaca que passou a valorizar ainda mais a vida, a saúde, o contato com as pessoas e os amigos, e a liberdade de ir e vir. “Sinto-me grata pelo meu trabalho e pela minha vida”, afirma.

O amor pelo trabalho sempre foi referência na vida da oficiala Ana Cláudia Gomes, lotada em Fortim, no Litoral Leste, porém, nos últimos tempos, ela salienta que esse amor tem dado lugar ao medo. “Tenho medo, pois na rua tem um vírus invisível que está matando. Tenho medo, pois em todas as diligências os jurisdicionados nos recebem em suas residências sem máscaras. Eu estou cuidando deles, mas ninguém está cuidando de mim. Tenho medo de adoecer e levar esse vírus para dentro de casa. Espero que dias melhores venham e que possamos retornar a trabalhar com alegria”, deseja.

Geanna Alves em diligência no bairro Pirambú, em Fortaleza. Foto: Arquivo pessoal

Ansiedade

Durante toda a pandemia, a oficiala Geanna Alves, que é lotada no Juizado da Mulher de Fortaleza, realizou afastamentos de agressores do lar, intimações de medidas protetivas, entre outros mandados, de forma presencial, e destaca que está sendo desafiador trabalhar nesse período. Além da carga emocional de lidar com a violência nos lares, ela acrescenta que existe o alto risco de contaminação pelo novo coronavírus. “Em muitas diligências recebemos a notícia de que a parte faleceu de Covid-19. É muito triste e a cada notícia destas vemos o quanto estamos expostos à doença, pois nos dirigimos às residências das partes que, muitas vezes, já estão contaminadas. A ansiedade só aumenta e nos sentimos enfrentando mais um inimigo e colocando nossa vida em risco a cada diligência”, observa.

Para Micheline Carvalho, lotada na comarca de Pacatuba, Região Metropolitana de Fortaleza, cumprir a missão de Oficiala de Justiça nessa pandemia é quase como pisar em um campo minado. “Você se paramenta com uma ou duas máscaras, face shield, se benze e vai. Os mandados são urgentes e podem salvar vidas, alimentar crianças, dar andamento a tão sonhada liberdade a quem está na prisão. Somos úteis e necessários no nosso mister. Sob o sol forte, poeira e lamaçal, seguimos em frente para encontrar pessoas desconhecidas, muitas vezes escondidas sob apelidos que teremos que descobrir. O medo dessa tragédia que ora nos castiga, contudo, tira de nós a confiança no manhã. O temor de perder entes queridos nos fragiliza, nos adoece, nos faz chorar”, diz.

Dever cumprido

Apesar de toda a exposição e dos riscos aos quais estão expostas, oficialas destacam o papel social que exercem e a satisfação de fazer valer as decisões judiciais. “Trabalhar nas ruas, diligenciando em todos os bairros e áreas rurais de Sobral desde o início da pandemia, tem sido muito desafiador. É um misto de medo e de dever cumprido”, afirma Márcia Sidrim. O sentimento é o mesmo de Adriana Caldas, da Ceman de Fortaleza. Ela destaca que exercer a função, mesmo nesses tempos difíceis, é fazer a justiça chegar aos lugares mais imprevisíveis e de difícil acesso.

Márcia Sidrim durante diligência em Sobral, região Norte do Ceará. Foto: Arquivo pessoal

Oficialas de Justiça cumprem, na maior parte dos casos, os mandados sozinhas, em lugares ermos e áreas perigosas. Com a pandemia, Sabrina Foligno, da Ceman de Fortaleza, comenta que os desafios da profissão se tornaram ainda maiores, tendo em vista que a criminalidade cresceu. Contudo, ressalta que o Oficial de Justiça é o braço do judiciário e, muitas vezes, a voz das partes. “Temos que ter empatia e sensibilidade em cada diligência. Sendo assim, mesmo com todas as dificuldades, amo ser mulher e representar essa categoria”, reforça.

O teletrabalho está sendo, para a oficiala Ielva Stela, lotada na Central de Mandados de Fortaleza, necessário por conta da idade e de algumas comorbidades, o que não afetou em nada a sua produtividade. “O que me causa um pouco de tristeza é a falta de contato com meus amigos, dos nossos encontros e das gargalhadas. Mas espero, em breve, retornar ao convívio de todos”, frisa.

União e superação

Ranieria Lima, vice-presidente do Sindicato dos Oficiais de Justiça do Ceará (Sindojus-CE), fala sobre o sentimento de dever cumprido, o que tem enfrentado durante os mais de 20 anos como Oficiala de Justiça e como está sendo encarando esse momento tão difícil para todos. Ela diz que são muitos os momentos de medo e angústia na pandemia, sem falar do temor de passar por situações ainda piores pela condição de ser mulher. Ainda assim, segue firme no propósito de continuar buscando forças para servir e fazer a justiça chegar aonde ela deve chegar.

“Não podemos parar, mas precisamos ter em mente que as nossas vidas importam e que não somos números ou o que fazemos representa apenas números”, frisa Ranieria Lima

“Prezamos pela prestação jurisdicional humanizada, principalmente em uma crise como esta, que nos faz ter ainda mais certeza da importância do trabalho que desempenhamos. Não podemos parar, mas precisamos ter em mente que as nossas vidas importam e que não somos números ou o que fazemos representa apenas números”, pondera.

Fernanda Garcia, diretora do Sindojus, acrescenta que o último ano foi marcado por grandes dificuldades e que as mulheres sentiram o impacto dentro e fora das relações de trabalho, entretanto, enfatiza que a união e a superação farão a diferença.

Neste 8 de março, o Sindojus parabeniza a todas as mulheres e presta uma homenagem especial às Oficialas de Justiça, que mesmo em face das adversidades impostas por esse período seguem exercendo o seu papel, em todas as esferas, com garra, determinação e sensibilidade.

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