COMENTÁRIOS AO PCCR INCONSTITUCIONAL DA FGV 3

15/05/2010

INTRODUÇÃO

Após mais de três anos de espera, a administração central do Tribunal de Justiça do Estado do Ceará, atualmente presidido pelo Desembargador Ernani Barreira, apresenta a seus servidores um Plano de Cargos, Carreiras e Remuneração – PCCR, cujo projeto original foi elaborado pela Fundação Getúlio Vargas – FGV.

Interessante que se diga, desde a introdução, que a retro citada fundação recebeu mais de R$700.00,00 SEM LICITAÇÃO.

Esse plano do TJ/FGV é tão ruim que suas conseqüências espantam até os parlamentares da Assembléia Legislativa. Um deles chegou a asseverar: “Nunca tinha visto servidor vir à AL para pedir para votarmos contra seu próprio PCCR”.

Sou Oficial de Justiça Avaliador, tenho 07 anos no cargo, possuo uma especialização e costumo iniciar meu dia de trabalho com uma primeira diligência às 06h00min, trabalho aos sábados e até aos domingos (quando imperativo do serviço), não respondo a qualquer procedimento administrativo e jamais um ato processual deixou se realizar por desídia da minha parte.

O parágrafo retro não foi posto aqui para um exercício de autopromoção – creio que apenas cumpro o serviço para o qual o estado me paga da melhor forma que posso – mas apenas para calar a boca daqueles hipócritas que dizem: “Só faz greve servidor que não quer trabalhar”, “Greve é coisa de ressentido ou de quem tem preguiça”, ou qualquer outra coisa do gênero.

I – DO NOME DO CARGO

A primeira coisa que me irrita é o retirar do meu cargo o nome de Oficial de Justiça. Por três razões. PRIMEIRO: UMA RAZÃO HISTÓRICA – nosso cargo tem o peso dos séculos, já se fazia referencia aos Oficiais de Justiça nas ordenações Afonsinas; SEGUNDO: UMA RAZÃO PRAGMÁTICA – precisamos, como longa manus da justiça, em muitos momentos, impor respeito face aos obstáculos que as partes executadas, normalmente, colocam contra o cumprimento da sentença. A lei do desarmamento já nos privou de portarmos armas para nos defendermos, executamos as ordens – em muitos momentos – apenas com a imposição do respeito que o nome OFICIAL DE JUSITÇA ainda nos oferece.
TERCEIRO UMA RAZÃO: HERMENÊUTICA – Se, no futuro, uma lei nova (e aqui lembro que a PEC 190 está tramitando) vier a trazer benefícios para oficiais de justiça, aqui neste estado, ninguém será beneficiado, pois, aqui não haverá mais oficiais de justiça, apenas “técnicos e analistas judiciários”.

II – DO ENQUADRAMENTO

Todos se lembram da célebre Assembléia Geral dos Oficiais de Justiça convocada pelo SINCOJUST, que deveria tratar da deflagração de uma greve, mas que acabou sendo palco de uma cena histórica: o Des. Presidente, Dr Ernani Barreira – aceitando um convite do presidente daquela entidade, o nobre colega Mauro Xavier – compareceu e afirmou em alto e bom som que “o plano não trará retrocessos”.
Ora, meu cargo era – inicialmente – de nível médio, foi alçado a nível superior (por uma lei de iniciativa do PRÓPRIO TJ, Lei 14. 128, de 06 de junho de 2008) e agora corre o risco de voltar ao nível médio. O Dr. Ernani Barreira tem a coragem de dizer que o PCCR não traz retrocessos? Pensa ele que somos retardados mentais?

Há sempre a argumentação da FGV de que a lei que nos elevou para nível superior é inconstitucional. O guardião da Constituição é o STF, não é a FGV, que sequer é membro do poder judiciário. Pelo menos não era até ontem, última vez que consultei a Constituição da República Federativa do Brasil, a fim de me certificar…

Eis uma decisão do STF, em “EMENTA: Ação Direta de Inconstitucionalidade. 2. Lei Complementar nº 189, de 17 de janeiro de 2000, do Estado de Santa Catarina, que extinguiu os cargos e as carreiras de Fiscal de Tributos Estaduais, Fiscal de Mercadorias em Trânsito, Exator e Escrivão de Exatoria, e criou, em substituição, a de Auditor Fiscal da Receita Estadual”, ipsi literis:

“ (…) O que se fez foi estabelecer exigência nova de escolaridade, para o exercício das mesmas funções, e se permitiu que os Fiscais de Mercadorias em Trânsito e os Escrivães de Exatoria também as exercessem, naturalmente com a nova remuneração, justificada em face do acréscimo de responsabilidades e do interesse da Administração Pública na melhoria da arrecadação”.

Eu poderia aqui descrever algumas dúzias de decisões no mesmo sentido, mas o nobre colega Oficial de Justiça Arlindo Teixeira, com quem tive a honra de cursar minha especialização em Administração Judiciária, já o fez quando demonstrou todas as inconstitucionalidades deste PCCV em estudo que se encontra à disposição do público no site do SINDICATO DOS OFICIAIS DE JUSTIÇA DO ESTADO DO CEARÁ – SINCOJUST, www.sincojust.com.br. Aqui não posso deixar de dizer: “Parabéns, Arlindo”.

É lógico que sabemos o que a Fundação pretende ao defender tal sandice. Se todos os concursados que ingressarem no cargo mediante concurso de nível médio forem postos na tabela de NS, gastar-á mais.

No entanto o próprio STF já decidiu que, caso uma lei eleve o requisito de escolaridade para ingresso no cargo e – por conseqüência – eleve sues vencimentos, este benefício pecuniário deve se estender aos ingressantes de nível médio, haja vista estarem fadados a desempenhar as mesmas atribuições dos que entrarão por nível superior.

O Pretório Excelso entende que não há – como pretende a FGV – a criação de um novo cargo. Será possível que o judiciário cearense vá fechar os olhos para uma decisão da mais alta corte de nossa nação em nome do vil metal? O TJ, que não cumpriu até agora a determinação do CNJ (Resolução 88/09), não pode fechar os olhos para um entendimento do STF.

Por fim, não se pode deixar de ressaltar a ironia deste ato de enquadramento, que salta aos olhos quando se lê – na MSG 05/2010 – o que o próprio Des. Ernani Barreira escreveu: “O presente plano passa a ser criado no momento em que o Tribunal de Justiça do Estado do Ceará se dá conta da necessidade de oferecer um tratamento mais EQUÂNIME a seus servidores (…)”.

Equânime? O presente plano cria a possibilidade de termos oficiais de justiça divididos em técnicos e analistas, aqueles de nível médio e estes de nível superior. Ambos desempenhando exatamente as mesmas funções e recebendo valores diametralmente opostos! É tão óbvio que me envergonho de ter que escrever essa análise e – às vezes – chego a pensar que o nobre Des. Pres. sequer correu os olhos pela proposta da FGV!

III – DA GAE

Preocupo-me muito com o Art. 17 da MSG 05/10.
In verbis:

“Art.17. Os ocupantes do Cargo de Oficial de Justiça Avaliador, redenominados para Técnico Judiciário, e os de Analista Judiciário, atuando na área judiciária e exercendo efetivamente atividades externas de cumprimento de mandados, citações, intimações, notificações e outras diligências emanadas dos magistrados, farão jus à Gratificação de Atividade Externa – GAE, instituída no percentual de 30% (trinta por cento) do vencimento-base, condicionada à avaliação de produtividade a ser regulamentada por Resolução do Tribunal Pleno”.

Receberemos GAE, mas de forma instável? Ela será condicionada à avaliação de produtividade, mas em que moldes? Será levada em consideração a situação de cada comarca ou será criado um modelo geral, uma média do estado do Ceará que todo OJ terá que cumprir? É – no mínimo – uma instabilidade financeira que impedirá o servidor de projetar seus gastos e receitas de um mês para o outro. Explico melhor.

Se em um mês não atingirmos a meta, por ser ela mal elaborada, como foi mal elaborado esse plano de cargos, no mês seguinte não receberemos GAE. Isso gerará um círculo vicioso. O servidor não recebe GAE porque não produz e não produz porque não recebe GAE. Impreterivelmente, a sociedade sairá prejudicada com a queda da “quantidade” da prestação jurisdicional.

IV – DO ADICIONAL DE QUALIFICAÇÃO E SUA RELAÇÃO COM A VPNI

Aqueles servidores – e aqui não me refiro apenas os OJ – que tem Adicional de Qualificação (AQ) devem ter reparado, na simulação oferecida pelo próprio TJ, que seu valor foi mantido integralmente. Não se trata de um privilégio, tampouco de um favor da administração, mas de uma garantia constitucional, a irredutibilidade de vencimentos. Mas esse respeito ao texto da Lei Maior – não se iludam – é apenas aparente.

Quando o AQ é levado para VPNI ele deixa de ser atrelado ao vencimento base. Assim, o servidor pode ser promovido quantas vezes for, mas sua VPNI – leia-se AQ – continuará com o mesmo valor. A correção de tal “vantagem” será feita apenas pelo índice de aumento geral dos servidores do estado, o que atualmente gira em torno de cinco por cento ao ano. Com o passar dos anos, o valor hoje recebido terá sido corroído pela inflação – sim, ela ainda existe – e seu poder aquisitivo será depreciado até que não se compre com ela um pirulito sequer.

V – Da Extinção da Gratificação de Risco e de Saúde

O risco é inerente ao cargo de oficial de justiça. Existe o perigo próprio das ruas, pois o referido servidor, que atua externamente, fica exposto a roubos, inclusive por portar consigo um bem de elevado valor, qual seja, seu veículo, independentemente de ser um carro ou uma moto. Como agravante, é de relevante importância considerar que – na maioria das diligências – os meirinhos trafegam por zonas perigosíssimas da cidade, como favelas, assentamentos e bairros de altíssimas estatísticas de criminalidade.

O atual projeto de Plano de Cargos extingue, em seu artigo 46, inciso V, a Gratificação de Risco e de Saúde (GRS). Os que defendem tal ato alegam que a GAE já abrange tal Gratificação de Risco e – por tanto – não o extirpar do texto seria obrigar o Estado a desembolsar duas vezes pelo mesmo motivo.

A atual GRS é obtida lançando-se o percentual de 40% sobre o vencimento básico. A GAE proposta pela FGV/TJ, por sua vez, é obtida lançando-se 30% sobre o novo vencimento básico. Ora, se a GAE deve substituir a GRS e a Gratificação de Locomoção, como pode ter um percentual menor que a GRS? Como o todo pode ser menor que a parte?

Há sempre a desculpa de que o vencimento básico será aumentado, mas isso não justifica, pois – se a idéia é concentrar em uma única gratificação todas as vantagens referentes aos ônus do exercício de uma atividade externa – nada mais justo que somar as atuais proporções que representam a remuneração de tal ônus.

Sob o prisma jurídico, o próprio STF já reconheceu que aquele que ocupa cargo de Oficial de Justiça exerce sim atividade de risco.

Esse risco foi reconhecido pelo próprio Supremo Tribunal Federal, que, ao julgar o Mandado de Injunção de número 1176, relatado pelo Ministro Eros Grau, em 17 de setembro de 2009, que tratava de pedido de aposentadoria especial para a categoria dos oficiais de justiça e impetrado pelo SINCOJUST (Sindicato dos Oficiais de Justiça Avaliadores do Estado do Ceará) concedeu o apanágio baseado no fato de o exercício do cargo oferecer relevante grau de periculosidade a quem o exerce. In verbis:

…………………………………………………………………………………………………………..
Julgo parcialmente procedente o pedido deste mandado de injunção, para, reconhecendo a falta de norma regulamentadora do direito à aposentadoria especial dos servidores públicos, remover o obstáculo criado por essa omissão e, supletivamente, tornar viável o exercício, pelos substituídos neste mandado de injunção, do direito consagrado no artigo 40, § 4º, da Constituição do Brasil, nos termos do artigo 57 da Lei n. 8.213/91. Publique-se. Brasília, 17 de setembro de 2009. Ministro Eros Grau – Relator– ____________________________ 1 Art. 57. A aposentadoria especial será devida, uma vez cumprida a carência exigida nesta Lei, ao segurado que tiver trabalhado sujeito a condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física, durante 15 (quinze), 20 (vinte ) ou 25 (vinte e cinco) anos, conforme dispuser a lei. (Redação dada pela Lei nº 9.032, de 1995) § 1º A aposentadoria especial, observado o disposto no art. 33 desta Lei, consistirá numa renda mensal equivalente a 100% (cem por cento) do salário-de-benefício. (Redação dada pela Lei nº 9.032, de 1995).

VI – DOS GANHOS FINANCEIROS

A questão financeira, sem hipocrisias, conta sim. Desempenhamos nossas funções a fim de nos sentirmos úteis para a sociedade, a fim de lidar com algo de que gostamos, mas, também, para garantir nossa subsistência e a de nossas famílias.

O fato é que estamos muito mal remunerados, especialmente os servidores concursados em 2002 e os do interior. Bom, meu concurso foi o de 2002 e sou lotado em Maracanaú, que é considerada como interior para fins de remuneração. Creio que sou o que de pior existe em termo de remuneração para o TJ.

Meus ganhos, conforme simulação fornecida pela própria administração do TJ, serão de R$ 350,61 brutos. Deste valor, metade (R$ 175,30) será pago de imediato e o restante em quatro parcelas anuais de R$ 43,82.

Isso é um insulto, quatro parcelas de R$ 43,82e ao ano. Isso é um ultraje! Fiz um concurso em que a concorrência era de mais de 300 para uma vaga, fiquei em primeiro lugar e é assim que a administração me trata? Foi para isso que eu estudei tanto, para ganhar quatro aumentos anuais de R$ 43,82?

Eu tenho a mais absoluta certeza de que não sou o único que dediquei tanto ao Poder Judiciário para receber em troca tão pouco. Há muitos colegas mais valorosos, muito mais competentes e mais capacitados que estão tão indignados com isso quanto eu.

CONCLUSÃO

A primeira conclusão que tiro é que somos fortes. Há mais de um mês a MSG 05/2010 oriunda do TJ-Ce foi enviada à Assembléia Legislativa e até agora não foi votada. O trâmite do processo legislativo da referida somente não foi concluído ainda porque nós, servidores prejudicados, manifestamos nosso repúdio e demonstramos nossa indignação. Ou será que alguém duvida do fato de que – se tivéssemos ficado silentes – tal MSG já não teria sido discutida, votada, aprovada e enviada para sanção do Governador?

A segunda conclusão é que – caso esse plano passe e vire lei – teremos uma dificuldade muito maior para combatê-lo. Meu pensamento é oposto do que alguns dizem, que é melhor deixar virar lei para depois pressionar por sua modificação.

O fato é que – se for convertido em lei – haverá dois tipos de servidores: os que se resignarão e os que buscarão outros concursos. Aqueles prestarão um serviço de quinta categoria, haja vista o desestímulo, a falta de reconhecimento e a mágoa; e estes, por sua vez, passarão a ver seus atuais cargos apenas como “cargos-trampolim”, um “quebra-galho” e começarão a estudar em tempo quase integral para se prepararem para outros concursos e também passarão a prestar um serviço de quinta. Seja como for, a sociedade perderá em qualidade de prestação jurisdicional.

Francisco Ésquilo Mourão L. Fontes.
Oficial de Justiça Avaliador JECC Maracanaú.
Bel. Ciências Contábeis – UFC.
Especialista em Administração Judiciária – UVA.
Acadêmico de Direito – UFC.