Para presidente do Tribunal falta vocação aos novos magistrados

23/12/2014

Diário – Qual é a avaliação que o senhor espera dos cearenses dois anos depois da sua Presidência no Tribunal ?

Brígido – Dois anos é muito pouco tempo para se construir alguma coisa que se possa dizer que foi um avanço. Nós saímos de alguns entraves que nós tínhamos e conseguimos solucionar alguns problemas. Entretanto, é claro, a nova gestora, desembargadora Iracema (do Vale) também vai encontrar uma série de problemas para superar. Dois anos é muito pouco tempo, a burocracia é muito grande, o Judiciário ainda não mudou a sua cultura. Tem que ser mais ágil internamente e também para o povo.

Diário – Quando o senhor fala internamente, quer dizer que a burocracia interna é maior do que aquela que nós de fora entendemos existir?

Brígido – É maior, com um complicador que nós crescemos muito nos últimos anos e crescemos desorganizadamente. Soma-se a isso os complicadores da legislação. Essa lei de licitações é horrível para se trabalhar. Nós precisamos repensar as formas de administrar, nós vivemos ainda como se estivéssemos há 40, 50 anos atrás. As dificuldades são muitas, principalmente, quando a instituição é um poder como o Judiciário que teve que se expandir, porque foi uma necessidade imposta de fora para dentro e se expandiu desorganizadamente. Fizemos alguma coisa, agora temos muito ainda para avançar, temos que repensar essa virtualização. Para mim, o Judiciário investiu nessa virtualização de uma forma muito romântica. Isso era para ter sido implantado gradativamente como foi na Justiça Eleitoral. A nossa virtualização aqui no Estado do Ceará deixou muito a desejar. Você não imagina o ralo de dinheiro.

Diário – Que comparação nós poderíamos fazer da nossa Justiça Estadual com a dos outros estados brasileiros?

Brígido – Hoje nós não estamos muito melhor, nem muito aquém deles. Eles enfrentam as mesmas dificuldades que nós passamos aqui, enfrentam as mesmas dificuldades para superar as dificuldades que nós atravessamos no Ceará. Graças a Deus veio o CNJ. Eu não falo nem do aspecto do lado disciplinar. O grande mérito do CNJ, que foi pensado pelo Márcio Thomaz Bastos como órgão de controle externo, foi justamente impor aos Tribunais de Justiça dos Estados de pequeno, médio e grande porte uma continuidade administrativa. Antigamente era tudo ao bel prazer de cada presidente.

Diário – Quais são as principais diferenças que nós poderíamos detectar hoje entre o juiz que entrou ontem e os juízes que entram na magistratura hoje?

Brígido– Vocação. Fazendo um paralelo com o que nós vemos hoje, eu vejo que falta vocação. Hoje o concurso para juiz é muito disputado, porque é umas das carreiras juristas mais bem pagas, talvez a mais bem paga. Esses juízes da nova geração convivem com uma realidade que nós não tínhamos. Nós não tínhamos residência para juiz, não tínhamos internet, não tínhamos sequer como fazer uma ligação normal para a nossa residência. Hoje o Interior está todo interligado, há mais recursos de trabalho, há mais meios de transporte. Então não podem falar aqui hoje no Ceará de Comarca de difícil acesso, mas um juiz novo está deixando muito o lado da vocação para o lado financeiro. O juiz hoje tem até o bolsa moradia que o Supremo instituiu por meio de liminar. Um juiz hoje no Interior de início de carreira faz uma média de 32 mil reais.

Diário – A demora na conclusão do processo hoje ainda é a principal queixa que o Judiciário recebe?

Brígido – É, e isso vai ser, eu tenho a ligeira impressão, de fato perpétua. Quem vai ao Judiciário quer uma resposta, não quer fazer acordo. Como essa Justiça não tem (resposta) e fica congestionada por força da burocracia da legislação processual, então para se descongestionar criam essas coisas de mediação e conciliação. Isso talvez funcione no direito de família, mas fazer mediações e conciliações é sinal que estamos falidos em termos de resposta.

Diário – Essa demora na conclusão dos processos é fundamentalmente em razão do excesso de recursos ou também de uma certa negligência dos operadores?

Brígido – Também uma certa negligência dos operadores. Criou-se a cultura da Justiça funcionar a base de liminares e a base de tutelas antecipadas. Concede-se uma liminar, o processo morre aí e a questão está solucionada. Depois de dez anos com o processo se arrastando, consolida-se a situação. Aí vem a teoria do fato consolidado. Essa coisa de liminar é muito útil, mas é preciso ser utilizado com muita parcimônia e com muita responsabilidade. A Justiça Federal tem funcionado hoje a base de liminares e antecipação de tutela. O próprio Supremo tem concedido liminares referendadas pelo Pleno.

Diário – O CNJ atua mais junto ao Judiciário do primeiro e segundo graus nas questões administrativa ou disciplinar?

Brígido – Mais de ordem administrativa. Você não imagina o que recebemos diariamente no Tribunal de Justiça de orientações e diretivas traçadas pelo CNJ, mas ele não tem descuidado da parte disciplinar. Agora mesmo ainda temos pendente de solução aquele famoso caso das vendas de liminar. Eu não tenho resposta para lhe dar, porque isto está tudo correndo em segredo de Justiça no CNJ e eu sou o mais ansioso pela resposta, mas o CNJ esteve aqui e fez uma apuração completa. O CNJ tem dado mostra de que quando é preciso agir ele age mesmo. Nós temos casos aqui de juízes iniciantes que já foram despachados pelo CNJ por conduta irregular. É muito difícil você fazer um filtro em relação à honestidade daquele que assume um cargo importante como o de juiz que vai lidar com o destino das pessoas e às vezes a troco de banana podre vende uma liminar ou uma sentença, um corruptor nunca ajuda na apuração na relação de quem é corrompido.

Diário – Será que os novos juízes têm consciência da responsabilidade que têm quanto ao patrimônio e às vidas das pessoas?

Brígido – Honestidade vem de berço e a desonestidade também. Há quem diga que a tentação passa mil vezes por dia na frente do juiz. O que nós precisamos no Judiciário é uma mudança de cultura. Acabar o diabo do corporativismo, que é muito impregnado. Ainda existe corporativismo em alto grau no Poder Judiciário, no primeiro e no segundo grau.

Diário – Hoje nós poderíamos dizer que as Corregedorias são atuantes?

Brígido – São! Se não forem atuantes, os corregedores são passíveis de punições. Os corregedores são obrigados e é assinado prazo para cumprir investigações de ilícitos que são levados ao conhecimento do CNJ. Pode ser que as Corregedorias apurem mal, aí é outra coisa, pode ser que no dia da reunião do Tribunal para apreciar o caso, o corporativismo se levante mais alto.

Diário – Desembargador, o senhor já fez referência à questão da venda de liminares nos plantões judiciais. Os plantões hoje estão saneados?

Brígido – Hoje você não vê mais no Tribunal de Justiça no fim de semana, ou em uma véspera de Natal ou de Ano Novo 80 advogados atrás de liminares e habeas-corpus. Talvez a gente não possa dizer que estão saneados, mas aparentemente estão. O direcionamento que foi dado a coisa, com auxílio do CNJ, inibiu muita coisa.

Diário – O senhor ainda vigia os plantões com olhos bem abertos?

Brígido – Claro! Nós fazemos monitoramento, temos levantamento de quantas liminares são concedidas. O Tribunal bloqueou alguns casos de concessão de liminares em plantões. Agora é interessante que em todos os casos de liminares irregulares o tráfico de drogas estava no meio. A coisa veio de longe. Lá do Paraná, Mato Grosso. A rede era bem mais extensa do que nós imaginávamos.

Diário – O senhor já fez referência à bolsa residência. Há sentido nessa manifestação dos juízes?

Brígido – O associativismo na área judiciária virou sindicalismo do mais rasteiro. Eles estão passando fome por acaso para reivindicar auxílio-alimentação atrasado? Será que eles não têm uma moradia e moram debaixo de uma ponte para gritar pelo auxílio-moradia? Acabou-se esse tempo e ninguém tem dinheiro para isso não. O Ceará é o único que não está pagando e não paga porque não tem dinheiro.

Diário – O senhor se sentiria confortável de receber esse auxílio-moradia?

Brígido – Não, mas receberia. Se tivesse como me pagar e pagar aos juízes e desembargadores, eu pagaria. Eu acho que o erro não foi nosso não, foi lá do Supremo.

Diário – No Ceará, em algumas comarcas, foram construídas residências para juízes.

Brígido – Noventa e cinco por cento dessas residências oficiais para juiz estão desabitadas. Porque os juízes preferem receber o auxílio-moradia e alugar uma casa.

Diário – Mas para o Orçamento do próximo ano vai ter o dinheiro para pagar o auxílio?

Brígido – Não há uma rubrica especial com relação a isso. Há uma reserva para o custeio, pessoal e investimento. A desembargadora Iracema (do Vale) vai ter que ter criatividade para tirar da rubrica de pessoal recursos para complementar esse auxílio-moradia. E veja uma coisa, esse auxílio-moradia foi concedido por força de uma liminar e essa liminar pode cair, pegou a todos de surpresa num período em que se estava elaborando o Orçamento do exercício seguinte. Nós aqui não tivemos como, não tivemos tempo, nem conhecimento, ninguém encontrou uma rubrica no Orçamento especificamente para o auxílio-moradia.

Diário – Foi aprovado recentemente o novo Código de Processo Civil.

Brígido – Não me trouxe esperança. Há alguns avanços, mas são insignificantes em relação aos entraves que vai criar.

Diário – Na sua concepção, qual é o futuro da Justiça no Brasil?

Brígido – Tomara que seja o melhor possível, mas nós temos que nos alertar para muita coisa, temos que repensar essa coisa da virtualização, o quantitativo de juízes em relação ao número de processos e de habitantes. Temos que repensar as nossas leis, principalmente, as leis processuais

 

Fonte:  Jornal Diário do Nordeste