Em defesa da vida

“Suicídios são evitáveis e só com conhecimento é que se pode prevenir”, enfatiza Edir Paixão

Palestra sobre preservação da saúde mental e da vida nas carreiras jurídicas, realizada no último dia 15, em Quixadá, marcou o início dos trabalhos da Comissão Corrente da Vida

23/06/2022
Fotos: Luana Lima/Sindojus Ceará

O primeiro passo foi dado. A palestra que debateu a preservação da saúde mental e da vida nas carreiras jurídicas foi o pontapé inicial dos trabalhos da Comissão Corrente da Vida, uma iniciativa do Sindicato dos Oficiais de Justiça do Ceará (Sindojus-CE) e de Oficialas de Justiça voluntários. O evento, realizado no último dia 15 de junho, na Unicatólica de Quixadá, contou com a participação de três dos quatro magistrados da comarca, além de representantes da OAB Subseção Sertão Central, do Ministério Público, da Defensoria Pública, do Corpo de Bombeiros, de servidores do Poder Judiciário e estudantes de Direito. Uma comitiva formada por 32 oficiais e oficialas de Fortaleza e da região metropolitana percorreu 350 km para prestigiar a palestra, ministrada pelo tenente-coronel do Corpo de Bombeiros, Edir Paixão, e pela Oficiala de Justiça Dayana Tavares, da comarca de Jaguaretama.

Na abertura, o presidente Vagner Venâncio informou que o sindicato levou à presidente do Tribunal de Justiça do Ceará (TJCE), desembargadora Nailde Pinheiro, a proposta de criação de uma política permanente de cuidados com a saúde mental de servidores e magistrados, o que vir a ser um grande marco de sua gestão.

O representante da categoria dos Oficiais de Justiça destacou a importância de ser criada, pela administração do TJCE, uma política permanente de cuidados com a saúde mental de servidores e magistrados

“Para além do Sindicato dos Oficiais de Justiça, nós precisamos estar junto do Tribunal de Justiça, do Ministério Público, da Associação Cearense dos Magistrados, do Sindicato dos Servidores, da OAB, da Defensoria Pública e de todas as entidades que permeiam as carreiras judiciárias para que a gente possa dar apoio e cuidar das pessoas. A categoria dos Oficiais de Justiça passou recentemente por um momento difícil, mas agora precisamos olhar para frente, no sentido de exercermos o nosso papel de exercer a empatia e termos a responsabilidade de contribuir para a saúde mental. Todos nós fazemos checkup anualmente, mas ninguém faz checkup da mente, isso é essencial para que possamos desempenhar o nosso ofício da melhor maneira possível”, frisou.

Davi Pordeus, presidente da OAB Subseção Sertão Central, agradeceu o convite e parabenizou a entidade pela iniciativa de trazer à tona o debate sobre esse tema tão relevante. “Gostaria de parabenizar por todo esse evento que está sendo organizado. O primeiro passo sendo dado aqui, em Quixadá, e com certeza terá continuidade, para que esse tema seja realmente levado à população geral”, disse.

Atenção à saúde mental

O juiz Isaac de Medeiros Santos, atual diretor do Fórum Desembargador Avelar Rocha, de Quixadá, lamentou mais uma vez o fato ocorrido com o Oficial de Justiça e destacou a importância de, a partir de agora, o Tribunal de Justiça dar uma atenção maior à saúde mental de servidores e magistrados. Ele acrescentou que nas carreiras jurídicas ainda há essa dificuldade de falar sobre essa questão da saúde mental, mas reforçou que é um tema muito importante, que todos devem ter atenção e cuidado.

“O Tribunal de Justiça poderia implantar projetos visando a essa melhoria, a esse bem-estar da saúde mental de servidores e magistrados, porque, consequentemente, com uma boa saúde mental, todos conseguem desempenhar melhor a sua função e atingir as metas do CNJ (Conselho Nacional de Justiça) e da Corregedoria Geral da Justiça, e toda a sociedade acaba ganhando com isso”, disse.

Programa Vidas Preservadas

A promotora de Justiça Karine Leopércio, coordenadora do Programa Vidas Preservadas do Ministério Público do Ceará (MPCE), manifestou a felicidade de participar do evento e poder falar sobre esse programa, que existe desde 2018 e tem como objetivo trazer uma nova visão sobre a questão do suicídio. Ela explicou que os dados que levaram o Ministério Público a pensar nesse programa são assustadores e revelam que o suicídio é uma questão de saúde pública, que precisa ser vista e discutida por vários setores da sociedade. “Esse debate é extremamente importante para a gente se apoderar dessa informação e, com base nela, estabelecer rotinas, protocolos e condutas de valorização à vida”, destacou.

A promotora de Justiça Karine Leopércio falou um pouco sobre o Programa Vidas Preservadas, do MPCE. A iniciativa foi criada em 2018.

A coordenadora informou que o Ceará ocupa o 5º lugar no país por números de suicídio, sendo o 1º das regiões Norte e Nordeste. Conforme dados apresentados pela promotora, cerca de 5.600 cearenses tiraram a própria vida entre os anos de 2011 e 2015. Com base nesses dados, estabeleceu-se como prioridade para o Ministério Público desenvolver um programa que trouxesse essa problemática para discussão. “Esse programa se iniciou em 2018, ainda como projeto, quando foram realizadas mais de 50 reuniões visando a incentivar os municípios a tratarem desse assunto e, com base neles, estabelecerem políticas públicas”, falou.

Os suicídios são evitáveis

Edir Paixão, que há mais de 20 anos atua na área de prevenção, intervenção e posvenção ao suicídio, e importante parceiro da categoria dos Oficiais de Justiça nessa grande corrente em defesa da vida, falou na palestra sobre saúde, trabalho e suicídio. O tenente-coronel explicou que no enfrentamento ao suicídio existem três momentos distintos: prevenção, intervenção e posvenção. “Tudo o que a gente faz para evitar que as pessoas entrem em crise suicida é prevenção, que é o que a gente está fazendo agora”, destacou. Já a intervenção ocorre quando a pessoa entra em crise ou tenta se matar. Depois que essa pessoa é resgatada, ele esclareceu que é preciso uma posvenção para elaborar o luto.

O motivo principal de estar palestrando naquele momento, reforçou Edir, foi para dizer que os suicídios são evitáveis, não só por meio de intervenção, mas, principalmente, com a palavra e a escuta. Ele complementa que nos momentos de crise, em que a pessoa está precisando de acolhida, a conexão tem de ser feita com compaixão. Além disso, é preciso identificar a esperança que existe dentro da pessoa ou fazer nascer essa esperança. “Se conseguirmos identificar o sentido de vida dela, o que a gente chama de âncora, vai trabalhar o diálogo em cima dessa âncora”, explicou.

Edir Paixão reforçou a importância de ressignificar o trabalho realizado por cada um que forma o Poder Judiciário e as carreiras jurídicas.

Importância de ressignificar o trabalho

Edir Paixão fez um convite para que todos buscassem ressignificar o trabalho, o que contribuirá do ponto de vista da saúde mental. “Eu tenho plena convicção de que o trabalho do judiciário brasileiro é extremamente nobre, mas, muitas vezes, ele tem uma carga de cobrança tão alta que as pessoas perdem o sentido da importância do papel que exercem. Precisamos fazer essa ressignificação da importância do trabalho realizado por cada um que forma o Poder Judiciário e as carreiras jurídicas”, observou.

Quando se trabalha com enfrentamento ao suicídio, o palestrante reforçou que não se está procurando culpados. “Nós queremos solução, alívio, conexão, nós queremos corrente da vida”, frisou. Disse, ainda, que outra informação importante de se ter conhecimento é sobre o que é pensamento ambivalente: impulsivo e fixo.

O palestrante explicou que quando a pessoa tenta se suicidar, na verdade ela não quer se matar, ela quer matar uma dor, um sofrimento, quer encontrar uma forma de alívio. “Ela entende que aquela situação é insuportável, interminável e inescapável, pensa que não vai acabar nunca e, se não está aguentando, caso se mate a dor e o sofrimentos também se acabarão. Quando esse pensamento vem à tona, qual é o maior instinto do ser humano? Sobrevivência. Luta aquele planejamento de se matar contra o instinto de sobrevivência. Fica a briga, querer morrer e querer viver. Quando se compreendo que a maioria dos pensamento suicidas são ambivalentes eu sei que, em algum momento, essa pessoa vai oscilar para querer viver. É nessa hora que posso oferecer a mão, a acolhida, o diálogo, a terapia e outras possibilidades”, disse.

Curso Guardiões da Vida

No cotidiano, seja no ambiente de trabalho ou familiar, pode-se trabalhar na identificação de sinais que indiquem que a pessoa possa estar em um estado provavelmente suicida. Em situações como essas, o tenente-coronel do Corpo de Bombeiros reitera que só com conhecimento se pode prevenir. “Muitas vezes, é um inimigo invisível. Quantas pessoas foram afetadas e não sabem nem de onde veio a pancada? A gente não conhece. Precisamos conhecer para poder prevenir e é por isso que estamos aqui hoje, porque sabe que pode ser evitado e que o conhecimento é poderoso na prevenção ao suicídio, várias pessoas já foram salvas”, comentou.

“Precisamos conhecer para poder prevenir e é por isso que estamos aqui hoje, porque sabe que pode ser evitado e que o conhecimento é poderoso na prevenção ao suicídio, várias pessoas já foram salvas”, destacou o palestrante.

É para tratar sobre a identificação desses sinais e como agir que o Sindojus e a Comissão Corrente da Vida realização, no mês de agosto deste ano, em data a ser definida, o curso Guardiões da Vida, voltado para Oficiais de Justiça e demais servidores e colaboradores do Poder Judiciário. Edir Paixão contou que o último suicídio no Corpo de Bombeiros foi registrado em setembro de 2017 e, desde que o curso começou a ser realizada, em dezembro de 2017, não foram mais registrados suicídios no Corpo de Bombeiros.

“Evidentemente que não foi só por causa da formação. Da mesma forma que o suicídio é multifatorial, ele também não é evitado por isso, é um grupo de ações que têm de ser feitas para evitar o suicídio. É graças a esses esforços conjuntos e a essas correntes da vida que a gente tem conseguido prevenir o suicídio no Corpo de Bombeiros”, explicou.

Para finalizar, o palestrante solicitou que todos refletissem sobre o que dá qualidade de vida, bem-estar, prazer. “A gente está sendo muitas vezes esmagado pelo trabalho e se não soubermos lidar bem com ele poderemos adoecedor. O trabalho pode ser promotor de saúde, mas pode ser também patológico, depende de como eu vou lidar. Que a gente possa focar naquilo que nos dá qualidade de vida, pensar nos momentos bons, sentir bem-estar, alegrar-se e celebrar isso”, concluiu.

Dayana Tavares, Oficiala de Justiça de Jaguaretama que teve como primeira lotação a comarca de Quixadá, falou sobre o cotidiano da categoria.

Vivendo no automático

Dayana Tavares, Oficiala de Justiça de Jaguaretama que teve como primeira lotação a comarca de Quixadá, fez uma fala mais voltada para a prática, para o dia a dia da categoria. Ela iniciou dizendo que a situação que ocorreu em Quixadá a levou a refletir sobre como as pessoas acabam vivendo no automático. “É como se a gente ligasse o botão e faz o que tem que fazer sem pensar no porquê está fazendo”, disse.

Ela contou que, quando tomou posse em Quixadá, nunca imaginou que encontraria uma situação em que não teria com quem dividir o trabalho. “Era só eu e outra oficiala para dar conta de uma demanda de uma comarca gigantesca como a de Quixadá, com quatro Varas e um Juizado Especial, além de quatro vinculadas. Gera uma enorme sensação de impotência. Como vou dar conta de uma demanda represada tão grande? Eu quero dar conta, mas não posso. Chega o momento em que a gente para e reflete: eu sou humana, mas naquele momento eu só pensava em dar conta. Recebia muitos ofícios com cobranças, ligava para o Vagner desesperada. Eu queria fazer o meu papel, não me omitir. Cumpria, por mês, mais de 400 mandados, acordando 6 horas da manhã e dormindo meia noite. Você não consegue manter uma rotina assim por muito tempo, é insustentável”, desabafou.

A oficiala conta que a sua saúde física e mental foram atingidas diretamente. Ao passo em que queria ser produtiva, mostrar que era boa e que podia dar conta, existia uma pressão vinda de todos os lados, inclusive, dela. “Em uma comarca como a de Quixadá não dá para fazer tudo de uma vez e exigir isso é prejudicial à saúde”, frisou.

Importância do diálogo

Para melhorar essa situação, ela sugeriu que as Varas, juntamente com os magistrados, estabelecessem o que seria prioridade. “Se isso estiver estabelecido fica mais fácil trabalhar, porque você sabe o que está sendo exigido. A partir do momento que não existe esse controle, eu tenho que fazer tudo e esse tudo não é feito, então você não consegue fazer nem as urgências e nem o que era para ser feito, e gera uma ansiedade, que era o que eu sentia muito, de você não ser capaz de fazer o que está sendo esperado, quando a gente pode limitar o que é o esperado, se houver diálogo”, ressaltou.

“A pressão tem de ser feita, mas de forma correta, para que não atinja a pessoa deixando-a para baixo, diminuindo o ser humano por ele não ser uma máquina”, enfatizou Dayana Tavares.

Dayana complementou dizendo que a pressão tem de ser feita, mas de forma correta, para que não atinja a pessoa deixando-a para baixo, “diminuindo o ser humano por ele não ser uma máquina”. Na sua lotação atual, em Jaguaretama, a oficiala contou que está só, o que considera prejudicial. “A gente precisa ter uma qualidade, ter com quem dividir o trabalho, ter um apoio”.

Ela finaliza enaltecendo a importância do Oficial de Justiça para a prestação jurisdicional. “Eu vejo o Oficial de Justiça como os braços e as pernas do judiciário. Para uma intimação ser cumprida, para ter uma audiência, para uma medida protetiva ser eficaz só vai funcionar se o Oficial de Justiça for lá. Pode ter decisão, pode ter tudo, sem o Oficial de Justiça, com saúde para realizar esse trabalho, a justiça para. O Oficial de Justiça é essencial”, afirmou.

Busque ajuda profissional

A vida é sempre a melhor solução” é o slogan da Comissão Corrente da Vida. Tristeza, perda de interesse ou prazer, sentimentos de culpa ou baixa autoestima, sono e apetite alterados, cansaço e falta de concentração são sintomas de depressão. Caso esteja com alguns desses sintomas, lembre-se que para todo problema há solução. Não hesite em buscar ajuda profissional.

Em Fortaleza, esse apoio é prestado pelos Centros de Atenção Psicossocial (Caps) e por unidades como o Hospital de Saúde Mental Professor Frota Pinto (HSM) e o Hospital Universitário Walter Cantídio (HUWC). É feito atendimento também no Programa de Apoio à Vida (Pravida) da Universidade Federal do Ceará (UFC): (85) 3366.8149 e (85) 98400.5672. E de forma remota pelo Centro de Valorização da Vida (CVV), por meio do número 188 ou pelo site www.cvv.org.br.

Nos casos de urgência e emergência, deve-se acionar a Polícia Militar do Ceará (PMCE) pelo 190, o Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu) no 192 ou o Corpo de Bombeiros Militar do Ceará (CBMCE) no 193.

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