Em manifestação, Oficiais de Justiça do TJCE denunciam o adoecimento da categoria diante da sobrecarga de trabalho
O ato reuniu servidores de todas as regiões do Estado e deu continuidade à campanha do Sindojus por melhores condições de trabalho e pela realização de um novo concurso público para o cargo
Exaustão, jornadas extrapoladas, adoecimento decorrente da sobrecarga e o aumento constante das demandas processuais foram algumas das principais queixas relatadas pelos Oficiais e Oficialas de Justiça durante a manifestação realizada na manhã da última quinta-feira(16), em frente à sede do Tribunal de Justiça do Ceará (TJCE), em Fortaleza. O ato reuniu cerca de 65 servidores de todas as regiões do Estado e deu continuidade à campanha do Sindojus-CE por melhores condições de trabalho e pela realização de um novo concurso público para o cargo de Oficial de Justiça.
A entidade reivindica que o concurso para Oficial de Justiça, com previsão de publicação de edital para este ano, contemple pelo menos 54 vagas imediatas e mais de 150 no cadastro de reservas. Com 631 servidores(as) na ativa – dado atualizado com as últimas aposentadorias –, o Judiciário cearense tem hoje 92 Oficiais de Justiça a menos do que há dez anos – em 2015 eram 723, registrando um decréscimo de 13%. O quadro atual é menor, inclusive, que o de 2006, quando havia 640 na ativa. Para agravar a situação, 140 Oficiais de Justiça recebem abono de permanência, dos quais 71 são da Capital, e podem entrar com pedido de aposentadoria, o que deverá agravar o deficitário quadro de Oficiais de Justiça no Estado. Em contrapartida, a demanda processual no TJCE aumentou de forma expressiva. Em 2006, o Estado registrava cerca de 650 mil processos. Hoje, o acervo ultrapassa 1,5 milhão, o que corresponde a um crescimento de aproximadamente 130% no número de processos.
A combinação de menos oficiais e mais processos — decorrente da informatização, do uso de ferramentas de inteligência artificial e do aumento de servidores nas secretarias e gabinetes — tem resultado em maior volume de trabalho e ampliação das jornadas. Muitos profissionais atuam de forma contínua, pela manhã, à tarde e à noite, inclusive aos sábados, domingos e feriados, para atender à demanda de diligências e certificações. Mesmo com o modelo híbrido de trabalho, a quantidade de mandados expedidos é elevada, levando os Oficiais de Justiça a desempenharem suas atividades em todos os turnos, sem intervalo regular entre as jornadas.
Reposição e concurso robusto

Foto: Daniel Barroso (Sindojus-CE)
O presidente do Sindojus-CE, Vagner Venâncio, destacou que o problema da sobrecarga também está relacionado à alta rotatividade de servidores e à falta de continuidade no quadro de Oficiais de Justiça. Segundo ele, desde 2016 o Tribunal tem recorrido a designações temporárias para suprir a carência nas comarcas, uma medida que deveria ser excepcional, mas se tornou prática recorrente. “Essas designações amenizam momentaneamente o fluxo de trabalho em uma comarca, mas desfalcam a de origem, sobrecarregando ainda mais os colegas que permanecem”, explicou.
Vagner reforçou que a solução efetiva passa pela realização de um amplo concurso público. Conforme o dirigente, o sindicato já protocolou requerimento à Presidência do TJCE solicitando a imediata reposição dos cargos vagos e defendendo que sejam nomeados o maior número possível de candidatos classificados no concurso de 2022. Além disso, o próximo certame deve oferecer vagas imediatas e um cadastro de reserva com pelo menos 200 vagas, assegurando continuidade no serviço e evitando novas carências no futuro. “Precisamos de um concurso robusto, com muitas vagas imediatas e um cadastro de reserva amplo, capaz de garantir novas nomeações ao longo dos próximos anos. Só assim teremos um quadro estável, capaz de atender às demandas da Justiça e oferecer um serviço de qualidade à população”, concluiu.
Naturalização da sobrecarga

Foto: Daniel Barroso e Lennon Cordeiro
A Oficiala de Justiça Palmira Peixoto, lotada na comarca de Quixadá, relatou o cenário crítico enfrentado pelos servidores locais diante do acúmulo de mandados decorrente da agregação de comarcas e da insuficiência do quadro. “Além de Quixadá, temos que atender às demais comarcas – Choró, Banabuiú, Ibaretama e Ibicuitinga. Há 5 anos, tínhamos uma lotação paradigma de 11 oficiais; hoje, nossa lotação é de 6 cargos, mas somos apenas 4. É impossível dar conta de tudo”, frisou. A oficiala expôs o constrangimento que sentiu ao precisar tirar licença-maternidade por receio de sobrecarregar os colegas de comarca. Ela afirmou que “essa sensação não deveria ser natural”, pois demonstra o nível de pressão enfrentado pela categoria diante do déficit de pessoal. “Eu tenho todo o direito de poder ter e cuidar da minha filha e não é natural que eu me sinta constrangida por isso”, pontuou.
Roberto Galindo, lotado na comarca de Maracanaú, chamou atenção para a naturalização da sobrecarga de trabalho e o consequente adoecimento da categoria. Segundo ele, sua média de mandados cumpridos entre janeiro e setembro foi de mais de 300 por mês, sem direito a férias. “Já me acostumei a trabalhar nos domingos. No último que tentei descansar, me senti estranho”, relatou. Para Galindo, a falta de reposição de servidores e o aumento das demandas transformaram o excesso de trabalho em algo tratado como normal, quando, na verdade, é reflexo do esgotamento físico e mental decorrente do excesso de trabalho. “A gente se acostumou com uma rotina tão absurda que o absurdo se tornou normal”, concluiu.
Omissão estatal
Luídio Bezerra, oficial da Ceman de Fortaleza, afirmou que não é admissível que oficiais e oficialas se sintam culpados por exercer seus direitos básicos, como descansar nos fins de semana ou tirar férias. Ele chamou atenção para o fato de que a atual situação de esgotamento físico e emocional da categoria é consequência direta da omissão estatal em recompor o quadro deficitário. “Isso é uma falta de respeito conosco. É preciso que nós adotemos o discurso uníssono de que a prestação jurisdicional é responsabilidade do Estado e dever da Administração”, destacou.

Foto: Daniel Barroso (Sindojus-CE)
Para Luídio, o cenário vivido pelos Oficiais de Justiça reflete o grau de comprometimento da categoria, que tem sustentado o funcionamento do Judiciário mesmo diante da falta de estrutura. “Isso só mostra a responsabilidade dos profissionais que hoje fazem essa categoria: eles têm que se sacrificar para poder fazer com que o trabalho aconteça, para que a prestação jurisdicional não pare”, afirmou. Todavia, segundo o oficial, a dedicação dos servidores tem sido respondida com cobranças excessivas e ameaças de Procedimento Administrativo Disciplinar (PAD), revelando um ambiente de pressão e desrespeito às condições mínimas de trabalho. “Se o Estado não quer suprir a carência de oficiais, quem vai arcar com as consequências será a própria sociedade”, enfatizou, ao defender a adoção de medidas urgentes por parte do Tribunal para assegurar nomeações e celeridade à prestação jurisdicional.

Foto: Daniel Barroso e Lennon Cordeiro
Falta de estrutura
A Oficiala de Justiça Kaline Bravos, lotada na comarca de Maracanaú, destacou as condições estruturais precárias e o crescimento expressivo da demanda processual enfrentada pelos servidores. Ela relatou que, entre 2023 e 2024, houve um aumento de quase 16% no número de mandados cumpridos — saltando de 28.880 para 32.530 até setembro deste ano — e que, mesmo assim, o quadro funcional permanece o mesmo, com 14 oficiais responsáveis por atender uma das maiores comarcas do Estado. “Nós estamos trabalhando em uma sala de pouco mais de 15 metros quadrados. Somos 14 oficiais e não temos opção de mudar de sala. Estamos sufocados”, desabafou. Kaline reforçou que a categoria não pede privilégios, mas condições dignas de trabalho para continuar garantindo a efetividade das decisões judiciais.

Foto: Daniel Barroso e Lennon Cordeiro
Colapso
Michele Pereira, da Ceman de Fortaleza, cobrou uma postura mais efetiva do Tribunal diante da gravidade do quadro funcional e da iminência de novas aposentadorias. Ela alertou que, mesmo que haja um novo concurso público, ainda não há qualquer garantia concreta de que o número de vagas ofertadas será suficiente para suprir as vacâncias existentes. “Nós temos um concurso que pode bater na nossa porta e nós não temos nada. O TJ não nos deu sequer a promessa de que esse concurso vai suprir o quadro deficitário”, afirmou. Michele ressaltou que o Tribunal tem pleno conhecimento dos quantitativos de servidores, conforme já apresentado pelos dirigentes do Sindojus, bem como das consequências dessa carência para a sociedade. “Estamos nos preparando para adoecer coletivamente ainda mais do que já estamos adoecidos e sobrecarregados”, alertou sobre o risco de redução de oficiais ativos devido às aposentadorias.
Tratatamento desigual entre carreiras
O diretor jurídico do Sindojus-CE, Carlos Eduardo Mello, destacou o tratamento desigual na evolução dos cargos no Tribunal e cobrou uma postura da Administração para enfrentar o déficit de Oficiais de Justiça. Ele observou que, enquanto o número de analistas judiciários cresce de forma acelerada, com projeção de passar de 640, em 2022, para cerca de mil até 2029, o quadro de Oficiais de Justiça segue em queda. “De 2015 a 2025, 92 Oficiais deixaram o cargo, e esses postos não foram recompostos. A pergunta que fica é: onde estão esses 92 cargos?”, questionou.

Foto: Daniel Barroso e Lennon Cordeiro (Sindojus-CE)
O dirigente ressaltou que, embora o Tribunal disponha de cerca de 85 sistemas e ferramentas de inteligência artificial, nenhum deles é voltado diretamente ao apoio do trabalho dos Oficiais de Justiça. “Os robôs agilizam a expedição e a distribuição dos mandados, mas o cumprimento é uma atividade humana e que necessita do crivo e da expertise do Oficial de Justiça, e, nesse sentido, o número de servidores está aquém do necessário”, pontuou.
Para Carlos Mello, é essencial a criação efetiva de novos cargos por meio de uma articulação conjunta com o Poder Legislativo, frisando a atuação do deputado estadual Guilherme Landim, para viabilizar projetos que ampliem o quadro de Oficiais e restabeleçam o equilíbrio entre as funções do Judiciário.
O diretor do Sindojus-CE, José de Mendonça, alertou que a atual situação de sobrecarga e déficit de servidores coloca em risco o funcionamento do sistema judiciário. “O que nós estamos esperando aqui são condições de trabalho. Caso contrário, o sistema tende ao colapso. E, quando isso acontecer, todos perdem: o servidor, a sociedade e o próprio Poder Judiciário”, frisou. Segundo ele, o cenário já atingiu um ponto crítico e, sem medidas estruturais, a pressão sobre os Oficiais de Justiça tende a aumentar.
Violência doméstica
A diretora do Sindojus-CE, Fernanda Garcia, chamou atenção para o impacto direto da falta de Oficiais de Justiça no enfrentamento à violência doméstica e familiar. Segundo ela, o número reduzido de servidores tem comprometido a agilidade no cumprimento das medidas protetivas e mandados relacionados à Lei Maria da Penha, agravando a situação das vítimas. Em 2024, mais de 30 mil mandados de violência doméstica foram cumpridos pelos Oficiais de Justiça em todo o Estado. “A sociedade cobra celeridade, mas é impossível garantir uma resposta rápida sem recompor o quadro. Só teremos a agilidade que o combate à violência doméstica exige com um número suficiente de oficiais em atividade”, afirmou.

Foto: Daniel Barroso (Sindojus-CE)
A dirigente pontuou que a campanha da categoria visa dar visibilidade às vozes dos Oficiais de Justiça e chamar atenção do Tribunal para as necessidades da categoria. Segundo ela, o movimento não trata de reajuste salarial, mas de condições dignas de trabalho. “Nós não estamos falando de salário. Estamos falando de condições de trabalho, de qualidade de vida e da saúde dos servidores”, afirmou.
Categoria acompanha sessão do Órgão Especial
No período da tarde, por volta das 13h30, como parte do ato, oficiais e oficialas se dirigiram à sessão do Órgão Especial. A presença teve caráter institucional e teve como objetivo reforçar a pauta de reivindicações apresentadas ao Tribunal. Os representantes acompanharam os trabalhos do colegiado, uma vez que temas relacionados aos Oficiais de Justiça deverão ser apreciados pelo Pleno nas próximas semanas. O presidente Vagner Venâncio ressaltou a importância da mobilização contínua e da presença da categoria nos espaços institucionais do Tribunal. “Estivemos presentes para demonstrar que a categoria segue ativa, mobilizada e vigilante”, destacou.
Próximas mobilizações
Vagner destacou que o sindicato continuará atuando por meio do diálogo institucional e da mobilização da categoria. “No dia 27 de outubro teremos reunião com o presidente do Tribunal de Justiça, desembargador Heráclito Vieira Neto, e com a Corregedoria-Geral da Justiça. Nossa expectativa é que até lá tenhamos uma definição clara sobre as pautas defendidas”, afirmou.
Ao longo desta semana, a diretoria do Sindojus seguirá visitando os demais desembargadores, desembargadoras e membros da Administração, a fim de apresentar a situação enfrentada pelos Oficiais de Justiça e reivindicar soluções urgentes aos pleitos da categoria.
Confira os registros abaixo: