Déficit de 151 Oficiais de Justiça agrava morosidade no judiciário cearense

13/06/2016

Responsável por dar efetividade às decisões judiciais, o Oficial de Justiça representa o Poder Judiciário em campo. Servidor público devidamente concursado e com bacharelado em Direito, cabe a ele fazer, pessoalmente, as citações, prisões, penhoras, arrestos, conduções coercitivas, buscas e apreensões de bens e de pessoas, reintegração de posse de bens móveis e imóveis, imissões de posse, separação de corpos e demais diligências inerentes ao seu ofício. Durante o cumprimento do mandado, o oficial pode, inclusive, dar voz de prisão. Considerado o longa manus do magistrado, é através dele que as ordens judiciais são concretizadas.

No Ceará, porém, observa-se um processo de desvalorização deste profissional, com a insistente nomeação, por parte do Tribunal de Justiça do Ceará (TJCE), de oficiais ad hoc, em detrimento da convocação dos aprovados no último concurso, ainda vigente, realizado em 2014. Após tomar conhecimento da prática, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) determinou ao TJCE, em 11 de maio, que criasse cargos efetivos para Oficiais de Justiça, visando não prejudicar o caráter ininterrupto da atividade jurisdicional. Estabeleceu, ainda, que o Tribunal, em conjunto com o Sindicato dos Oficiais de Justiça do Ceará (Sindojus-CE), realizasse estudo para avaliar o quantitativo de oficiais suficiente para suprir a demanda da instituição, encaminhando à Assembleia Legislativa projeto de lei para criação de cargos efetivos.

Prazo

O CNJ deu o prazo de 60 dias para que o TJCE apresente um projeto de reestruturação de seu quadro de servidores, promovendo a substituição de oficiais ad hoc e a nomeação dos candidatos aprovados no último certame. Porém, passados um mês, o tribunal não deu nenhuma sinalização ao Sindicato no sentido de formar parceria para realização de tal estudo. Na decisão, o Conselho destaca que “o Tribunal insiste em manter expressivo número de Oficiais de Justiça ad hoc, inclusive com nomeações realizadas após a homologação do último concurso público de 2014”.

Sem atingir a meta 1, o TJCE foi considerado pelo CNJ um dos piores tribunais do País no quesito celeridade processual. Por esse motivo, a decisão reitera que “a grande quantidade de Oficiais de Justiça ad hoc, nomeados de forma precária, gera a necessária substituição por aprovados no concurso público, nascendo, para estes, o direito subjetivo à nomeação”.

A justificativa do Tribunal de que a nomeação de novos servidores poderá elevar sobremaneira as despesas com pessoal, podendo ocasionar violação à Lei de Responsabilidade Fiscal, não condiz com a realidade, uma vez que o Tribunal de Justiça empossou, em 25 de fevereiro deste ano, 76 novos juízes. Há, inclusive, uma recomendação do Tribunal de Contas do Estado (TCE) indicando que o TJCE deverá somar todos os esforços no sentido da “máxima nomeação de aprovados ao cargo de Oficiais de Justiça, não se limitando às vagas ofertadas pelo concurso em andamento, evitando, com isso, a designação do Oficial de Justiça ‘ad hoc’ em oposição aos preceitos legais, como vem ocorrendo atualmente nas Comarcas do Interior do Estado”.

Audiência

Para discutir a morosidade no Poder Judiciário cearense, o déficit de Oficiais de Justiça em todo o Estado e o último concurso público realizado pelo TJCE vai ser realizada, nesta terça-feira (14), Audiência Pública no Complexo de Comissões Técnicas da Assembleia Legislativa do Ceará (Alce). O encontro, realizado através da Comissão de Trabalho, Administração e Serviço Público, atende ao requerimento Nº 13/2016, de autoria dos deputados Heitor Férrer e Capitão Wagner.

 

Representando os Oficiais de Justiça do Ceará estarão Luciano Júnior, presidente do Sindojus; e Mauro Xavier, diretor de Comunicação da Federação Nacional dos Oficiais de Justiça do Brasil (Fenojus). Também foram convidados para participar da audiência a presidente do TJCE, desembargadora Iracema Ssales; o secretário de Planejamento do Estado, Hugo Sales; o procurador de Justiça do Estado, Plácido Rios; o presidente da OAB-CE, Marcelo  Mota, bem como representantes da Comissão de Aprovados no TJ, entre outros. 

Déficit

Conforme levantamento feito pelo Sindicato dos Oficiais de Justiça do Ceará (Sindojus-CE), há um déficit de 151 Oficiais de Justiça em todo o Estado. Destes, 40 só na Capital – 17 no Fórum Clóvis Beviláqua e 23 nos Juizados. São 149 comarcas e 35 vinculadas. Das 149, quatro não possuem Oficiais de Justiça: Varjota, Irauçuba, Aracoiaba e Itarema. Já os ad hoc somam 23.

No Interior, a situação mais crítica é de Juazeiro do Norte, cujo déficit é de 7 Oficiais de Justiça, seguido de Sobral (6), Aracati (4), Caucaia (4), Itapipoca (4), Limoeiro do Norte (4), Morada Nova (4), Tauá (4), Iguatu (3), Senador Pompeu (3), Tianguá (3), Acopiara (2), Aracoiaba (2), Boa Viagem (2), Crateús (2), Crato (2), Irauçuba (2), Itapajé (2), Nova Russas (2), Pacajus (2), Quixadá (2), Quixeramobim (2) e Varjota (2). As Comarcas de Aracape, Alto Santo, Aquiraz, Aurora, Baixio, Barreira, Baturité, Beberibe, Brejo Santo, Camocim, Campo Sales, Canindé, Catarina, Coreaú, Croatá, Granja, Guaiuba, Hidrolândia, Iporanga, Iracema, Itapiúna, Itarema, Jaguaretama, Jati, Jijoca, Maracanaú, Massapê, Mombaça, Monsenhor Tabosa, Novo Oriente, Orós, Palmácia, Parambu, Piquet Carneiro, Poranga, Quiterianópolis, Russas, Santana do Acaraú, Solonópole, Tamboril e Várzea Alegre possuem defasagem de um oficial cada.

Precarização

Antônio Martins, Oficial de Justiça há 17 anos, atualmente lotado na comarca de Sobral, chega a percorrer, quando está de plantão no 14º Núcleo Regional (aos fins de semanas e feriados), 300 km para cumprir um único mandado. Isso ocorre, porque a jurisdição é formada por seis comarcas. Além de Sobral, o oficial pode cumprir mandado também em Massapê, Groaíras, Meruoca, Alcântaras, Cariré e Jijoca de Jericoacoara. A comarca, que deveria ter 16 Oficiais de Justiça (dois por unidade judiciária), conta com dez. Destes, dois estão à disposição, atuando como diretores de secretaria. Levando em conta o período de férias, significa que durante oito meses do ano a comarca opera com apenas oito Oficiais de Justiça.

Para agravar a situação, foram criadas duas novas varas – a 3ª Vara Cível e a 3ª Vara Criminal – sem prevê quadro de funcionários. O Tribunal só nomeou juízes e diretores de secretaria (que são Oficiais de Justiça, dois a menos no exercício da função). Os demais tiveram de absorver o aumento da demanda. O resultado dessa situação é sobrecarga de trabalho e um atraso considerável no cumprimento dos mandados. Se um oficial adoecer, por exemplo, os demais ficarão ainda mais assoberbados de trabalho.

“É uma torre de babel, a gente tem que se virar para poder dar uma boa resposta à prestação jurisdicional. Somos cobrados pelas partes e pelos jurisdicionados, a gente se vê em meio a um fogo cruzado. Nós fazemos o melhor de nós”, salienta Martins.

Em Aracati, onde o déficit é de quatro Oficiais de Justiça, há mandados com mais de um ano em atraso. Pedro Minervino, lotado naquela comarca, conta que o município nunca chegou a ter o quadro de oficiais completo: oito. Por mês, são aproximadamente 800 mandados – uma média de 200 para cada oficial.

Em Juazeiro do Norte, a situação é ainda mais delicada. Cada um dos cinco Oficiais de Justiça que atualmente estão em atividade naquele município cumpre, em média, 280 mandados por mês. Rávina Ellen da Penha Jorge conta que, de 2010 para cá, dois oficiais faleceram e outro está de licença médica por tempo indeterminado, em decorrência de um Acidente Vascular Cerebral (AVC). Mesmo sem implicar em aumento na folha de pagamento, ainda assim, as vagas não foram repostas pelo TJCE.

“A demanda é muito grande, é uma cidade com mais de 300 mil habitantes”, frisa. Sem ter como dar conta de toda a demanda, a oficiala conta que é preciso dar prioridade a alguns mandados, a exemplo das audiências criminais e de alimentos. Para Rávina, há um problema de gestão e falta também vontade política por parte das administrações do tribunal. Juazeiro do Norte é outro município que nunca teve o quadro de oficiais completo. A oficiala conta que o problema já foi comunicado ao TJCE através de ofício, de reuniões, mas nenhuma providência foi tomada.

Além da defasagem, ela diz que há também problemas estruturais. A sala dos oficiais só conta com uma impressora e dois computadores bem antigos. “A nossa situação é calamitosa. Se todos os oficiais chegarem, não vai ter mesa e nem computador para todo mundo. A estrutura é zero”, dispara.

Chama a atenção o fato de haver 18 cargos livres em decorrência de vacância – seja por falecimento ou aposentadoria de oficiais –, desde o lançamento do edital (em 2014). Cargos estes que poderiam ser ocupados sem implicar em repercussão financeira para o Tribunal de Justiça, uma vez que a previsão de pagamento já consta no orçamento anual do tribunal.

Confira AQUI a decisão do CNJ em favor dos aprovados.

Confira AQUI o déficit de oficiais em todo o Ceará.

Confira AQUI o número de oficiais ad hoc.

Serviço:

Audiência pública para discutir o último concurso realizado pelo Tribunal de Justiça do Ceará (TJCE)
Data: 14/06/2016
Horário: 14h30
Local: Comissões Técnicas da Assembleia Legislativa
Endereço: Avenida Desembargador Moreira, 2807. Bairro – Dionísio Torres